sexta-feira, 1 de março de 2013

Silêncio


O silêncio costuma ser, em variadas condições, um meio de isolamento. Atualmente  é a ausência do silêncio que trabalha para tornar o mundo atual vazio e isolado. As reservas de silêncio tem sido invadidas e esgotadas. A maquina marcha globalmente adiante e o silêncio é o lugar minguante onde o barulho ainda não penetrou.

A civilização é uma conspiração de barulhos, desenvolvida para encobrir os silêncios desconfortáveis. Wittgenstein entendeu a perda de nossa relação com o silêncio. O presente não-silencioso é um tempo de evaporação da atenção, erosão do pensamento critico, e uma capacidade diminuída de sentir profundamente as experiências. o Silêncio, assim como o escuro, é difícil de obter; mas a mente e o espírito precisam de sua substancia.

Certamente existem muitos variados lados do silêncio. Existem silêncios forçados e voluntários de medo, angustia, conformismo, cumplicidade, que são muitas vezes estados inter-relacionados. E a natureza tem sido progressivamente silenciada, como documentou Rachel Carson em seu profético livro Silent Spring (Primavera Silenciosa). A natureza não pode ser definitivamente silenciada, de qualquer forma, o que eventualmente segue a um longo tempo explicando por que alguns sentem que deve ser destruído.  "Tem existido um silenciamento da natureza, de nossa própria natureza," conclui Heidegger, e precisamos deixar este silêncio, como silêncio, falar. isto ainda se da muitas vezes, apesar de tudo, falando mais auto do que palavras.

Não haverá libertação da humanidade sem a ressurreição do mundo natural, e o silêncio é muito pertinente a esta a afirmação.

O grande silêncio do universo gera uma reverencia silênciosa, sobre o que Roman Lucretius meditou no seculo 1 ac: "Primeiro de tudo contemple a cor pura e limpa do céu, e tudo o que contem: as estrelas errantes por todos os lugares, a lua, o sol com sua luz e incomparável brilho. Se todos estes objetos aparecessem para os mortais hoje pela primeira vez, se aparecessem para os seus olhos rapidamente e inesperadamente,  o que alguém poderia dizer que é mais maravilhosos do que sua totalidade, e cujo a existência a imaginação humana poderia se atrever bem pouco a conceber.

Descendo a Terra, a natureza é preenchida com silêncios. A alternação das estações são um ritmo de silêncio; a noite o silêncio desce ao planeta, apesar de muitopouco atualmente. Os elementos da natureza assemelham-se a grandes reservas de silêncio. A descrição de Max Picard é um poema: "A floresta é como um grande reservatório de silêncio do qual o silencio escoa num fino fluir, num rio calmo preenchendo o ar com seu brilho. A montanha, o lago, os campos, o céu - todos eles parecem esperar por um indicio de esvaziar seus silencios tornando-os em coisas ruidosas nas cidades do homem".

Silêncio "não é uma mera ausência de algo". De fato, nossos anseios giram em tornam de tal dimensão, suas associações e implicações. Por trás dos apelos pelo silêncio repousa o desejo por um novo começo perceptivo e cultural.

O Zen ensina que "o silêncio nunca varia..." Mas nosso foco deve ser cultivado caso queiramos nos afastar do vazio universalizante da recente modernidade. o Silêncio é sem duvida culturalmente especifico, e portanto experienciado de diversas formas. Não obstante, como Picard argumenta, o silêncio pode nos confrontar com o "começo original de todas as coisas", e apresentando objetos para nós direta e imediatamente. O silêncio é primário, invocando a presença para si mesmo, portanto é uma conexão para o reino das origens.Na tecnoesfera industrial, a Maquina tem por pouco o sucesso em banir a quietude. Uma historia natural do silêncio é necessária para estas espécies ameaçadas. A modernidade atordoa. O barulho, como a tecnologia, não deve nunca se recolher - e o nunca faz. Para Picard, nada tem mudado o caráter humano tanto quanto a perda do silêncio. Thoreau chamou o silêncio de "nosso asilo inviolável",  um refugio indispensável que deve ser defendido. O silêncio é necessário contra o som. O silêncio é temido pela manipulativa cultura de massas, da qual se mantém separada, uma forma de resistência precisamente porque o silêncio não pertence a este mundo. Muitas coisas podem ainda ser escutadas contra a pano de fundo do silêncio; desta forma um caminho é aberto, um caminho para a autonomia e imaginação.

 "Os sentidos se abrem em silêncio", escreveu Jean-luc Nancy. É para ser conduzido e experienciado corporalmente, inseparavelmente do mundo, no núcleo silênciosos do eu. O silêncio pode realçar nossa incorporação, um passo qualitativo para longe da característica oficial das maquinas que trabalham tão resolutadamente para nos desincorporar.

O Silêncio pode ser um grande auxilio em desbloquear a nós mesmos da prevalente doença da informação a solta na sociedade.

O silêncio nos oferece o local para estarmos presentes com nos mesmos, para virmos a entender o que somos.

Presentes na real profundidade do mundo em uma cada vez mais fraca e rarefeita tecnofuga. Os registros da filosofia frente a frente ao silêncio são geralmente desanimadores, tão boas quantos a medida de suas falhas em tudo. Socrates julgou ser o silêncio o reino da tolice, enquanto que Aristoteles clamava que ficar em silêncio causava flatulência. Ao mesmo tempo, de qualquer forma, Raoul Mortley pode enxergar uma "crescente insatisfação com o uso das palavras", "um enorme crescimento na linguagem do silêncio" na Grécia antiga.

Tempos depois, pascal ficou aterrorizado pelo "silêncio do universo", e Hegel claramente sentiu que o que não pode ser falado era simplesmente não verdadeiro, que o silêncio era uma deficiência a ser superada. Schopenhauer e Nietzsche ambos enfatizaram o previamente necessário valor da solidão, divergindo do anti-silêncio de Hegel, entre outros.

Merecidamente bem conhecido é um comentário  sobre a Odisseia de Homero feito por Horkheimer e Adorno. Descrevem os esforços das sirenes em desviar a Odisseia de sua jornada assimmcomo Eros tenta suportar as forças da repressiva civilização.

Kafka sentiu que o silencio poderia ser um modo mais irresistivel do que cantar.

"A fenomenologia começa no silêncio", de acordo com Herbert Spiegelberg. colocar o fenômeno ou objetos de algum modo primeiro, antes das construções de idéias, foi sua noção fundamental. Ou como Heidegger, existe um pensamento profundo e mais rigoroso do que o conceitual, e parte disso envolve um a ligação primordial entre o silêncio e o entendimento.

O Pos-modernismo, Derrida em particular, nega a proliferação da consciência da ineficiência da linguagem, afirmando que brechas de silêncio no discurso , por exemplo, são barreiras ao significado e poder. De fato, Derrida castigou fortemente "a violência do silêncio primitivo e pré-lógico", denunciando o silêncio como um inimigo niilista do pensamento. Tal corajosa antipatia demonstra a surdez de Derrida a presença e graça, e o perigoso silêncio se posiciona a alguém cujo o simbólico é tudo. Wittgenstein entendeu que algo permeia tudo que é dizivel, algo que é em si mesmo indizível. Este é o sentido de sua bem conhecida ultima linha do Tractatus Logico-Philosophicus: "Daquilo que ninguém pode falar, deve se permanecer em silêncio".

O silêncio pode ser considerado, aproximado, sem reificação, no aqui e agora? Penso que possa ser uma abertura, um modo fortificante de conhecimendo, uma condição geradora. O silêncio também pode ser uma dimensão de medo, angustia,  -  mesmo de loucura e suicídio. De fato, é um tanto difícil de reificar o silêncio, friza-lo em qualquer coisa não viva. As vezes a realidade que interrogamos é muda; um indicio da profundidade de estar presente em silencio? maravilhosa dev ser a questao que melhor nos da resposta, silenciosamente e profundamente.

 "O silêncio é tão correto" disse Mark Rothko, uma linha que tem me intrigado por anos. Também muitas vezes rompemos o silêncio apenas para vocalizar algum detalhe que se escapa nun senso abrangentedo que nós fazemos parte, e quanta manieras existem para destrui-lo. No inverno de 1933, na Antartica, Richard Byrd anotou: "vou para minha caminhada diaria as 4 pm... eu paro para ouvir o silencio... o dia esta indo, a noite esta nascendo - mas com grande paz. Aqui estao imponderaveis processos e forças do cosmos, harmonico e inaudivel." Quanto é revelado em silencio através das intensidades e misterios de viver naturalmente. Annie Dillard tamebm fornece uma linda resposta ao ruido: " A certo ponto voce diz as arvores, ao mar, as montanhas, ao mundo, agora estou pronta. Agora irei parar e estar inteiramente atenta. Voce esvazia a si mesmo e espera, ouvindo."

Não é apenas o mundo natural que é acessível via silêncio. Cioran indicou os segredos nos silêncio das coisas, afirmando que "todos os objetos possuem uma linguagem que só podemos decifrar em total silêncio."

David Michael Levin em The Body's Recollection of Being nos aconselha a "aprender a pensar através do corpo... deveríamos ouvir em silêncio para nossa experiência de sentir o corpo". E na esfera interpessoal, o silêncio é resultado de empatia e de ser entendido, sem palavras muito mais profundamente do que de outra maneira.

Os nativos americanos parecem sempre ter colocado um lugar de grande valor para o silêncio e experiência direta, e na cultura indígena em geral o silêncio denota respeito e auto-recolhimento. Isto está no centro do rito de passagem, o período solitário de jejum, abstinência e proximidade com a Terra para a descoberta do caminho e do propósito de vida do individuo. O Inuit Norman Hallendy aponta mais insights ao estado de silêncioso consciente chamado inuinaqtuk do que em sonhos. Curandeiros nativos muitas vezes dão ênfase ao silêncio como um apoio a serenidade e esperança, enquanto que a silênciosidade é requerida para o sucesso na caça. Estas necessidades por cuidado e quietude podem bem ser recursos chaves da apreciação indígena pelo silêncio.

O silêncio alcança de volta a presença e a comunidade original, antes que o simbolico tenha comprometido ambos o silencio e a presença. Isto adiantou o que Levinas chamou de "a unidade da representação", que sempre trabalha pra silenciar o silêncio e substitui-lo com o desamparo das estruturas simbólicas. A raiz em latin para silêncio, silere, dizer nada, é relacionada a sinere, permitir estar em um lugar. Somos arrancados daqueles lugares onde a linguagem falha tantas vezes, e mais crucialmente, do silêncio. Heidegger apreciou o reino do silêncio, como fez Holderlin, uma das mais importantes referencias de Heidegger, especialmente em seu Late Hymns. A insaciável espera que Holderlin expressou tão poderosamente relacionada não somente a um silêncio original e pleno, mas também a sua crescente compreensão de que a linguagem deve sempre admitir sua origem na perda.

Um século e meio depois, Samuel Beckett fez uso do silêncio como uma alternativa a linguagem. Em Krapp's Last Tape, a idéia de que toda linguagem é um excesso de linguagem é fortemente sugerida.Beckett lamenta que "na floresta dos símbolos" nunca existe quietude, e anseia quebrar o silêncio através do véu da linguagem. Northrup frye considerou que o propósito do trabalho de Beckett " se assenta em nada mais do que na restauração do silêncio".

Nossos seres corporificados, tão sensível a esta Terra, entendem bem os limites da linguagem e certamente o fracasso do projeto da representação. Neste estado é fácil entender a exaustão da linguagem, e o fato de que estamos sempre na distancia da palavra frente a imediação. Kafka comentou sobre isto em "In the Penal Colony", onde a maquina de impressão dobrou como um instrumento de tortura. Para Thoreau, "como uma verdadeira sociedade sempre tenta alcançar a solitude, a mais excelente fala finalmente cai em silencio"

Por outro lado, a sociedade de massas anula as chances de autonomia, assim como priva a possibilidade de silêncio. Holderlin imaginou que a linguagem nos empurra para o tempo, mas é o silêncio que nos manteria de volta contra o tempo. O tempo avança em silêncio; não surge para fluir, mas para permanecer. Varias temporalidades parecem perder suas barreiras, passado, presente e futuro menos divididos. Mas o silêncio é uma estrutura variável, não uma uniformidade ou abstração. sua qualidade nunca está aparte de seu contexto, pois está no campo da não mediação. Diferente do tempo, o que ten sido por tanto tempo uma media da alienação, o silêncio não pode ser especializado, ou convertido em instrumento de permuta. Isto mostra o porque que o silêncio pode ser um refugio da perpetualidade do tempo. Gurnemanz, próximo de abrir o Parfisal de Wagner, canta "aqui começa o espaço", o Silêncio evita esta dinâmica primaria de dominação.

Então aqui estamos, com a maquina nos subjugando em seus vários ataques contra o silêncio e e se introduzindo profundamente.

A nota que os norte-americanos murmuram ou cantam é a Si, que é o tom correspondente dos 60 ciclos por segundo da frequencia da nossa corrente alternada. (Na Europa, o Sol sustenido é cantado "naturalmente", combinando com a corrente elétrica de 50 ciclos por segnudo daquele continente.) Numa Zona de Ruído globalizante e homogeneizante, nós talvez possamos vir a ser harmonizados. Pico Ayer se refere ao "meu crescente senso de um mundo que canta o mesmo som em milhares de tons todos de uma vez".

 Precisamos de uma recusa do ruído da padronização, seu modo de "comunicação" de superfície barulho-informativa e perturbadora.

Um Não ao insensível, penetravelmente colonizante não-silêncio, empurrando para cada não-lugar.

O silêncio é um freio a tudo isto, e uma zona para reconstituirmos a nós mesmos. O silêncio colhe na natureza, e pode nos ajudar a colher a nós mesmos para as batalhas que darão fim a humilhação.

O silêncio é uma importante ferramenta para a resistência, a nota inaudível que deve preceder a insurreição. Isto foi, por exemplo, o que os donos de escravos mais temiam. Em varias tradições espirituais asiáticas, o muni, vogal para silêncio, é a pessoa de grande capacidade e independência - aquele que não precisa de mestre para a iluminação.

As paixões mais profundas são nutridas em modos silênciosos e intensos. De que outra forma o respeito pela morte é mais significamente expressado, o intenso amor melhor transmitido, nossos pensamentos mais profundos e visões experienciadas, e o mundo não destruído é mais diretamente saboreado? Neste mundo angustiado e ferido, de acordo com Max Horkheimer, nos "tornaríamos mais inocentes" devido a angustia. E possivelmente mais abertos ao silêncio - como conforto, aliado, e fortaleza.

Por John Zerzan , Dezembro de 2007

Um comentário:

  1. “Do you not then hear this horrible scream all around you that people usually call silence.” - O Enigma de Kaspar Hauser

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