quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Pandrogenia: alquimia e cirurgia plástica para transcender a dualidade

Alejandro Mar G
O ato de amor mais extremo: converter-se no outro. Genesis P-Orridge concebeu sua vida romântica como sua obra mais alta e tentou transformar-se, através de cirurgias, hormônios e comportamento miméticos, em sua amada esposa Jaye.

"Nossa identidade é fictícia, tem sido escrita por nossos pais, familiares, educadores e sociedade" Genesis P-Orridge.

O amor em seu paroxismo normalmente suscita um efeito de unidade e até de fusão - geralmente de fuga-se, ante a impermanência de nossa realidade, deixando um ardente acordar de desejo. A sensação de fusão total que surge nos momentos de maior intimidade, o êxtase sexual, pode ser entendido e assimilado como uma vinculação espiritual ou pode desdobrar-se doentio como uma obsessão e até como um projeto de arte freak determinado a "rebelar-se contra o programa de DNA".

Genesis P-Orrigde, celebridade da cena contracultural, amigo de William Burroughs e Tim Leary, membro de legendárias bandas como Throbbing Gristle e Psyhcic TV, motor e modelo vivente de diferentes coletivos artísticos e esoterroristas, faz alguns anos que assumiu como seu maior projeto converter-se ele mesmo em seu opus magnun/convertendo-se em sua esposa. P-Orrigde junto com sua querida Lady Jaye Breyer iniciaram em 2003 um bizarro (em todas as acepções da palavra) experimento artístico chamando de "Pandrogenia". Palavra que sugere a união do feminino e do masculino ou a união total dos gêneros. A odisseia de mimetização iniciou com uma dupla cirurgia plástica no Dia dos namorados, faz pouco mais de 10 anos, em que o casal que se chamava a si mesmos Breyer P-Orridge - colocou implantes mamários idênticos (unidos sob a navalha do amor).Se formos rigorosos devemos retornar a 1993, a dada fatídica em que eles se conheceram e começaram sua transformação: no mesmo dia Lady Jaye visitou Genesis e o vestiu com suas roupas e colocou uma peruca para se parecer com ela (Genesis, sempre teve facilidade em disfarces e talvez se possa ver nestes primeiros gestos um prenúncio). Seja fazendo arte performance, vídeos subversivos ou tocando música industrial, Orridge sempre utilizou um componente esotérico para dar uma dimensão oculta e simbólica do seu trabalho. Pandrogenia se alimenta claramente de princípios alquímicos, mesmo que sob um entendimento extremamente peculiar. Recordemos que uma das imagens principais que atravessa a história do ocultismo e da alquimia é aquela de união dos opostos e que a figura do hermafrodita na história da alquimia é um símbolo de refinação espiritual.

Entrevistado por Douglas Rushkoff Orrigde assinala:

"A pandrogenia não se trata de gênero, se trata de união. A união dos opostos. Uma forma de explicar isto é muito simples: com as pessoas transexuais o homem pode sentir que está preso - a pessoa sente que é um homem preso em um corpo de mulher, ou uma mulher presa no corpo de um homem. Enquanto que na pandrogenia simplesmente você está preso num corpo. Desta forma, a pandrogenia se trata da união dos opostos, através desta reunião, a transcendência do binário e esta ilusão de um sistema social polarizado".

Os momentos de pandrogenia ocorrem, mas são essencialmente fugitivos "um orgasmo coletivo é um momento de pandrogenia, e quando as pessoas têm um bebê, isto é pandrogenia, sexualmente, porque são duas pessoas convertendo-se em uma". Estes momentos ou estes projetos de vida não foram suficientes para Orridge e sua esposa, que com razão haviam manifestado simplesmente querer ser parte de "uma grande história de amor". Breyer que trabalhou como enfermeira e dominatrix sexual, morreu em 2007 antes do processo místico-cosmético-mimético terminar. Entretanto, a obra vive em parte no filme The Ballad of Genesis and Lady Jaye e em outa através de Genesis, que leva em seu rosto modificado por numerosas cirurgias a transimagem de Lady jaye.

                      
Poucas pessoas são expert em chocar a sociedade como Genesis P. Orridge no qual foi expulso de seu país, Grã-Bretanha, pela obscenidade de seu trabalho. Sua personalidade excessiva e sobrecarregada, disposta a cruzar todas as fronteiras morais o fez chegar muito longe - mesmo que numa questão de estilos e perspectivas. O inquestionável desejo de fusão que gera o amor - conjunção, de sizígia entre os astros da carne - também pode ser perseguido sob o canal da diferença. A exaltação do masculino e feminino em suas diversidades parece ser a maneira mais natural de sublimar a obra e transmutar metal cru corpóreo em ouro (algo que tem sido estudado e explorado a fundo em disciplinas de tantra e taoísmo). O dilema evoca aquela radical diferença entre Braudrillard e Sartre: para o primeiro o inferno era ele mesmo e para o segundo os outros (o outro). Parecemos cada vez mais nossa parceira até chegar ao ponto além do gênero, em sermos o mesmo ser, indiferentes telas que buscam escapar da tirania biológica em um abraço que confunde seus rostos? Ou complementamos em dar e receber da fonte energética do sexo, para fazer crescer em nossa própria individualidade e diferença como uma expressão genérica da unidade cósmica?

Genesis P-Orridge evidentemente se viu atordoado pela atração do espelho, pela mimese que talvez oferecesse um hipnótico madrigal. Seguindo a técnica de cut-up de seus queridos William Burroughs e Bryon Gysin, ele e sua esposa Lade Jaye quiseram cortar o DNA para recriar-se como uma hipóstase, um terceiro ser unitário que conseguisse libertá-los do programa genético do gênero ("romper com o sexo"). Tentaram com cirurgia, cosméticos, disfarces, terapia hormonal e comportamentos, buscando um metacorpo angélico, do mundo das ideias, que de alguma maneira os levará além da morte na conflagração de seu amor. Uma empreitada valente, estrambólica e até errática em que muitas não concordamos, mas de qualquer forma é uma expressão honesta da busca perene de encontrar a unidade perdida que neste mundo simbolizamos com o outro. 

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