terça-feira, 18 de novembro de 2014

Um rolê pelo centro

Acordei meio zoado e já recebi a intimação: “Seu bosta, seu merda, a cozinha está toda suja, vá lá limpar”. Senti-me machista fui e lavei os copos, pratos e garfos. Mas machista ou não, também sou gente e fiquei ressentido. Ressentido sai pela cidade puto pra caralho com aquela bronca às oito da manhã.

Nas ruas quase fui atropelado por uma bicicleta na canaleta, o ciclista gritou: “Seu bosta, seu merda, tome cuidado”. Senti-me um pedestre opressor, comecei a andar só pelas calçadas e pensei em colar num restaurante honesto, um brasiático, popularmente conhecido como china ou flango e flitas.

Este negócio de importar cozinheiros chineses é algo bem maluco, porque será que a China é um país economicamente melhor que o Brasil, mas não para de enviar pasteleiros e cozinheiros de comida de pombo para cá? Num futuro próximo o comércio será apenas constituído de Igrejas crentes e restaurantes com nomes incompreensíveis, em um lado você paga para salvar alma e no outro você paga para morrer mais cedo comendo rolinhos primavera e camarão frito. A Sociedade vai ser constituída de bíblias e óleos de soja Bunge.

Não iria voltar pra casa tão cedo, então resolvi dar uma volta pela cidade na busca de um lugar pra comer e aproveitar para tentar encontrar algo interessante no lugar que acho que não acontece nada. Parti pro Centro, lugar onde mendigos, traficantes, putos, universitários e gente expulsa de casa se reúnem em lugares distintos para esquecer como a vida é tediosa a maior parte do tempo, uns para comerem e outros para assistirem, tomando Kaiser, os times ruins da cidade não caírem de divisão.

Puta choque cultural!

As ruas estavam cheias de gente com óculos que minha avó usava. Todo mundo fantasiado de Amelie Poulain e Dominique, vestindo camisetas do Laranja Mecânica cortadas grosseiramente, alguns cabelos com cortes militares e outros com tatuagens coloridas. Pensei: “Foda-se, quero comer macarrão com legumes”, e continuei pelas ruas com essa manada mal vestida cheirando samosas.

No caminho notei que o cabelereiro unissex que cobrava 10 reais, o corte masculino, tinha ganhado uma pintura russa, cores opacas, e mudado o nome para Peluquería transgênero. A mudança também veio nos preços, 30 reais para o corte Thom Yorke. A sorveteira ruim também tinha mudado de nome, a partir de agora se chamava Los Punheteros com desenhos fofo-macabros, cores berrantes e o picolé ruim beirava os 15 reais. Entrei em um bar e as cervejas vagabundas feita de milho sumiram das geladeiras. Agora eram guardadas em frigobares retro. Cerveja de banana, laranja, jaca, melancia e a velha e boa caracu que costumava tomar com ovo cru transformou-se em Petroilum frutada com sementes defecadas por macacos da Zâmbia.

O degradante Centro da cidade tinha se transformado num pixel orweliano, num frame de um filme que todo mundo comenta, mas ninguém viu. Um território acósmico, customizado, sedutor e incrivelmente idiota.

A merda prossegue.

Com pouca grana e com o lema “Comer, comer, comer para poder crescer” me lembrei de uma feirinha livre que ficava numa rua fedida e sempre rolava bolinho de carne com pão francês. A Feirinha não existia mais e o lugar agora era uma casa de produtos orgânicos e o preço da cenoura, feia, suja e pequena, estava em 20 reais o quilo. Perguntei o motivo para o quitandeiro barbudo magricela e a resposta foi: “Nossos produtos são todos sem exploração humana produzidos em hortas urbanas”.

A fome crescia junto com a raiva deste espetáculo do horror. Tudo agora tinha um clima Tim Burton e um cheiro de Tofú que doía meu esfíncter. Nomes bonitos para comida minimalista, receitas abstratas, mas minha fome era harsh noise.

Então desci para um conhecido porão de rock que rolava umas comidas simples, o lugar era de uma ogrice sem fim, cada quilo de batata frita vinha acompanhado de meio litro de óleo de soja torrado. Sempre achei o lugar uma fábrica de azia, mas no meio de Tofús e seytans, hambúrgueres artesanais, cupcakes, coxinhas de brigadeiro, bifes em pó, cortes argentinos para carnes, frangos premium, brunchs, snacks vegan e cervejas com edição limitada, pensei que valeria tentar o lugar.

Cheguei ao pico e notei a mudança de público, agora tocava uma música chata e brutalmente entediante, mas fui informado que estavam homenageando o vocalista que pulou de um prédio uma semana atrás. O balconista fantasiado de Indiana Jones jogou um cardápio na minha mão, a batata frita estava lá, mas agora vinha cebolinha japonesa importada. O rollmops transformou-se em sushi avinagrado, sem paciência, resolvi pedir um copo de vinho para ver se enganava a fome e gritei pro Indiana Jones: “Mano manda uma dose de Campo Largo seco!” e ele retrucou: “Agora só temos vinhos brancos frutados, quer nossa carta?”.

Quero é que você vá tomar no cu!

Faminto e sóbrio lembrei um pico que colava uma galera do black metal e sempre rolava x-salada e cerveja barata. Sempre achei interessante ir nestes lugares sombrios onde os caras roubam a maquiagem da irmã que faz teatro e compra um cinto de bala de fuzis fake para trocar umas ideias. Pergunte para um metaleiro extremo quem inventou o alfinete e o cara saberá, estes caras manjam de coisas que ninguém se liga, eles sabem, por exemplo, quem foi o primeiro imbecil que ficou surdo ligando um amplificador no último volume dentro do quarto. 

Aboliram o x-salada, o lugar só vendia long-necks e os Black Metal do lugar agora só falavam do gênero como tese de mestrado. Era uma conceituação infinita baseando opiniões em doutores, em filósofos, papers... Teacher, that was putrid!! Todo mundo no lugar estava numa verborragia infinita sobre Black Metal francês... Sempre eles!!!
Sai do lugar desolado e olho a uma quadra de distância uma placa patrocinada pela Brahma, “Bar do Seu Zé”. Desci pro pico.


Dentro do lugar tinha um velhinho cor de camarão, certamente de tanto tomar cachaça, em volta cadeiras de lata com marcas de refrigerantes apagadas, existia um balcão resistindo ao ataque de cupins e emocionado vi salsichas em conserva, comida vencida, linguiça preta, pinga, conhaque, vinho chapinha, paçoca e balas de hortelã. Pedi logo uma linguiça frita e perguntei: “É de hoje?” ele sorriu e respondeu: “Comida de hoje você tem que vir amanhã”, veja para mim então cinco linguiças fritas. Ele sorriu e falou pro ar: “Esta juventude está perdida”. 

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