quarta-feira, 26 de junho de 2019

Contra uma vida narcotizante

Don McCullins - 1972

"Pronomes de tratamento que não merecem nenhum tratamento”
(Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Santidade, Vossa Magnificência, Vossa Majestade, Vossa Alteza), Vossa Miserabilidade... Somos bizarros. Pragas que vocês desejam transformar em senso-comum e padronizar, mas que felizmente não conseguem. Somos estereotipados pelas suas línguas. Índios. Nazis. Fascitas. Fodam-se. Não estamos preocupados em enquadrarmo-nos em suas políticas e doutrinas. Chamem-nos de punks, chamem-nos terroristas. Internem-nos em hospícios. Queimem-nos no inferno.
Não abandonaremos nossa causa, seja ela rara, absurda, pequena, desconhecida no mundo, mas conhecida em nosso íntimo, solitária, emanada de sons que evocam nossos gritos, estranhos ruídos aos seus ouvidos. Somos aversivos. Subversivos. Angustiados. Acreditamos nas transformações desmedidas desse mundo, enquanto vocês acreditam em nossa submissão.
Evocamos o livre pensamento. A liberdade nos possui como o diabo às suas almas. Ao contrário de irmos à igreja , nossa solidão, nosso envolvimento com a literatura e tudo o que possa se chamar expressão e arte é a nossa arma e nosso escudo contra a barbárie.
Por isso encontros e reuniões são o carimbo de nossa força e o selo de nossa luta. Mesmo raras. Temos sensibilidade para comemorar os valores verdadeiros, diante de um mundo onde as pessoas esqueceram o que é amor, respeito e cumplicidade.
Ainda que nosso humanismo não alcance vossos ouvidos e não abrace vossos espíritos alienados, saibam que nada nos fará desistir de lutar para que cesse a exploração do homem pelo homem e a ignorância.
Tudo o que amamos, tudo o que pensamos e sentimos inclinam-se de nossas particularidades. Somos todos únicos.
Tentem nos roubar! Voltaremos a promover a luta, a esperança e a revolta diante de tudo o que seu sistema vilão insiste em retirar durante as jornadas de trabalho. Nossos sonhos. Conhecimentos. Conquistas.
Estamos preparados. Seus programas não nos seduzem mais. Vigiamo-nos uns aos outros, para que a abominável noção cristã do pecado criada por vocês não nos influencie e confunda-nos. Somos fortes. Nosso canto é o da liberdade, da improvisação e da poesia. Nele é possível perceber o protesto contra toda ordem infundada em suas bestialidades. Nosso jazz, nossa arte, nossa luta embasada na exaltação da consciência, cedo ou tarde, varrerá este sofrimento e resignação presentes, frutos mantidos pelo seu imperialismo social e religioso. Pela proliferação de tudo o que é senso comum e padrão.
Repugnamos a ideia de pátria, porque amamos a liberdade. Não concordamos com a pátria histérica, a pátria vazia, mortal e infundada em valores débeis. 
Estamos a par de todas as guerras e sabemos que muitas se anunciarão sob a hipócrita forma de medidas de segurança repetidas e multiplicadas. Mais uma guerra que ameaça surgir dos conflitos de interesses.
Lamentem, não daremos nossas mãos ao Estado, crente ele de que seremos coniventes com sua tirania, arbitrariedade e sangues derramados.
Declaramos, a partir dessa carta, que nossos protestos, nossa arte, nossos sons e vozes, são a recusa a todo este sistema que não nos permite o começo da paz. Somos a revolta e nossa revolução é a vingança inelutável do espírito humilhado por suas façanhas e tiranias. Obras malditas. Seres malditos. Filhos da puta! Vocês não entram em nossas casas. Não manipulam nossa arte. Nossas mãos. Nossa mente.
Nossa poesia não é mera ilusão, é a arma contra os espíritos paternalistas. Por isso blasfemamos. Nosso insulto é a nossa voz. Ouçam: “Vão pra puta que os pariu!".



Nenhum comentário:

Postar um comentário