sexta-feira, 13 de maio de 2011

Artigo: O papel mercenário das escolas


Jones Crust


Chegamos a uma escola de valores em água parada, formando partículas atômicas para o sistema decimal. Vamos a um breve passeio por ela, onde se espera convencê-lo a matricular seu filho querido. Mas olhe, debaixo dos seus sapatos, um volumoso esgoto deságua nas salas de aula. É a escolinha que se acreditava um playground seguro.
Para educar a criação original na criança que hoje mostra seus dentes caninos, os homens de fé se convencem de que a escola é um celeiro de homenzinhos de sucesso, ao transmitir os valores morais e a mentira da sociedade do níquel. Qualquer colégio é apenas uma instituição que aglomera as expectativas vãs da humanidade, onde repassar valores e ensinar a boa convivência passa aquém de seus amplos muros de presídio. Mas um complexo presidiário aberto e exigido, que faz intercâmbios com os objetivos técnicos da sociedade, refletindo sua cólera e sua decadência. Um cativeiro de ideias e expectativas que não anulam faíscas de frustração em quem experencia o faz-de-contas. Colégio não é família. Professor não é pai, terapeuta ou segurança de banco. A nunca será B ou C.
Conter um bolo de miniaturas sociais numa sala claustrofóbica, cadeiras enfileiradas, contabilização avaliativa, é no mínimo risível. O aluno não desenvolve métodos de pesquisa e de leitura e por fim se ilude. Ele ansia por estímulos mais instantâneos, o que o afasta da reflexão. A trupe pedagógica tenta medicar os pacientes e adoece na mesma proporção, já que representa o aparelho para endossar a frigidez do utilitarismo cultural e econômico.
Na educação infantil, quem é responsável pela recepção das crianças à socialização condicionada? Professor(as), que não obstante são mães. A escola é ainda um dúbio coração materno. Consequência de uma cultura que historicamente delegou às mulheres a função do cuidado dos primeiros anos de um ser, enquanto os homens iam à caça do capital para manter, no formol, o cadáver de seu sonho em família. Essa preocupação materna reflete-se nas atividades de batom cor-de-rosa, primando pelo apego possessivo a uma cultura que apodrece. E ao mesmo tempo em que as professoras não são as mães de seus alunos, o são na batalha psíquica, surgindo desta relação um sentimento de culpa reprimido, por ver o fruto de seu corpo cansar a expansão do eu da mulher que um dia voou... mas como Ícaro. Muito embora a vontade materna perpetue essa relação.
O cuidado e a vigilância excessiva, além da correção comportamental que muitas vezes só é alcançado com uma histérica impostação de voz, impede o aluno de ter autonomia afetiva e ética, já que há um mestre cobrindo o sol com o quadro negro de sua profissão. Mas no atual momento do processo histórico, é infactível eliminar a repressão do sistema escolar, uma vez que os indivíduos a tornem um hábito, quando justamente precisam disso como de uma droga. Há certa dose de autoritarismo nos seios dessa cultura. Há muitos alunos que desejam ser governados com disciplina militar como seus pais o fazem, pelo simples prazer inconsciente de desafiá-los. E os educadores, ao retribuírem esse jogo de forças, funcionam como uma compensação desse conflito mental. Em suma, professores, pais e alunos amalgamam-se nessa representação de disputa pelo espaço da potência egóica. O homem, quando adepto ou inconsciente da socialização selvagem, não é capaz de ter contato com formas humanas que maduram a liberdade.

A autonomia intelectual também é uma velha fábula contada nas escolas. Como capatazes do controle social, estas submetem (e são submetidas) toda a comunidade educacional às intenções econômicas e culturais em voga, afastando de suas diretrizes o contato com a multiplicidade das culturas e a politização enquanto inquietude e questionamento. Sempre apta a fazer as vontades do contexto plano em que alunos e educadores cooperam, a escola não deixa de ser entretenimento. Como recruta e personal trainer da felicidade no consumo, não pode deixar de atender à demanda da pobreza cultural e de experiências em trânsito. Se fiel ao senhorio econômico, é uma boa prestadora de serviços ao mercado de trabalho, uma mercenária porque não reforma o pensamento e a autonomia humana, mas todavia uma mercenária sem opção de recusa e sem reação, já que submissa aos rituais da civilização tecnocínica. Um beco sem saída. Enquanto a economia compensatória de tal relacionamento for tratada com o coeficiente da infantilidade opressiva, germinarão adultos atormentados e impossibilitados de viver.

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3 comentários:

  1. pois é, a escola nasceu (e permaneceu)com o intuito de ensinar os alunos desde cedo a ficarem sentados e calados recebendo passivamente todas as instruções que lhes fosse atirada, é e sempre foi uma máquina mantenedora de desigualdade social... quem escapa?

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  2. mas devo à escola a saída de casa. e ainda é o que temos de escape, pra hoje, do núcleo familiar. pra algumas criancas isso vale muito, pra outras ate salva. falta desenvolver novos arranjos de cuidado, pra longe dessas polarizações de sobreposicao ou emulação de figura parental.

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  3. Legal teu comentário. Hoje assisti um documentário que achei, entre outras coisas, interessante. Chama-se Eu sinto que já sei.

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