Arlindo Morteiro
Não escolhemos a vida, a vida nos escolheu. Presos a um único estilo de vida, no qual o trabalho é chave central. Sentimo-nos derrotados por não alcançar os objetivos e a tal felicidade. Mas a maior infelicidade é própria vida que levamos. Tentar apagar os erros do passado, viver o presente com a esperança de um futuro melhor, mas sempre achar que em tal situação estávamos melhor. O caminho é sem sentido, dúbio, e assim não pode ser definido como viver. A vontade de ascender rapidamente, de modo fácil e sem derrotas é a estrada de ouro que todos perseguem. Mas, mesmo quando ascendem, não parecem alcançar as promessas feitas por tal ascensão.
Nascemos e trilhamos uma infância sem tais perspectivas, sem ambições, sem desejos da eterna felicidade, pois não sabemos realmente o que é. Mas quando chegamos perto da fase adulta, a pressão para o trabalho, dos relacionamentos, enfim, de um vida segura batem a porta. Não temos para onde correr, nem procurar uma janela de escape. Apenas sujeitamo-nos a perseguir de maneira descontrolada essa suposta segurança prometida por uma vida mascarada de alegria e sonhos. O esfacelamento da segurança, de alegrias, ambições, nos empurram para outros caminhos a serem percorridos. Perdemos a vida perseguindo uma promessa que jamais foi cumprida, que ninguém realmente pode dizer que alcançou. Mas a ilusão permanece e todos repetem erros primários partindo dessa ambição. Eis a maior insegurança do homem: buscar o que não sabe, não o que realmente quer. A infelicidade nas profissões demonstram justamente isso, a massacrante maioria mudaria de profissão sem pestanejar. Mas começar de baixo para trilhar todo o caminho que já fora metade percorrido é, na sociedade do momentâneo, um grande erro. Sim. Queremos tudo e queremos agora. Esse é o lema da sociedade. Preferimos quinze minutos de fama do que batalhar e construir o nosso próprio caminho.
Poucas vezes nos arriscamos a construir o nosso próprio caminho, ou seja, deixar os reais desejos nos guiarem. Mesmo em poucas ocasiões em que isso ocorre, somos julgados. “Ele não tem emprego”, “Ele não tem carro”, “Ele não tem um relacionamento”, tudo para diminuir alguém que pensa e trilha o seu próprio caminho. Mas dificilmente alguém concordará com tal afirmação e parece até perigosa, isto é, uma pessoa que não persiga tais ideais não será alguém na vida. Bem, ainda hoje permanece a ideia de dois séculos atrás que médicos e advogados são bem sucedidos, felizes e orgulhosos de suas escolhas. Porém, quem consegue observar com a lupa da realidade, percebe que não é bem assim que acontece. Ninguém é mais feliz por escolher uma ou outra profissão, mas por escolher realmente o que desejar escolher. No caso de médicos e advogados as escolhas não são realmente deles, mas sim da sociedade que apontou que esta era a trilha perfeita. A ilusão de ser bem sucedido por uma formação de ensino superior ainda prevalece, mas é somente a entrada de uma estrada quase infindável. Infindável, pois cada vez mais procuram profissionais mais capacitados e especializados. Essa exigência sempre aumentará.
As profissões escolhidas como exemplo não são as únicas na regra, mas o entendimento ficou mais claro. Enfim, escolher uma boa profissão para obter um bom trabalho e ser bem sucedido financeiramente. É evidente que a sociedade vive na função do poder aquisitivo, do dinheiro, da ostentação e opulência. Um carro já fala mais do que o próprio homem, uma sacola cheia de compras desperta o interesse de todos, um tênis de marca, um celular com mil e uma funções sem que necessariamente usemos todas. O mais importante é o ter, ostentar, invejar outras pessoas que não tem tal direito de queimar o dinheiro para mostrar-se superior. Infelizmente, o dinheiro é um requisito de superioridade, o ser humano é posto de lado e as notas e cartões de crédito expressam-se em seu lugar.
Um bom marido, um bom pai de família é aquele bem sucedido que sempre presenteia as crianças, a mulher com presentes caros, que paga jantares caríssimos, que tem um carro digno de exibir. Não precisa mais ser um pai presente, basta trazer presentes. Observando novelas, filmes e seriados, reconhecemos tais afirmações. O pai é idolatrado quando chega em casa com a sacola cheia de compras, brinquedos para as crianças e um colar caro para a mulher. O homem de família que trabalha o dia inteiro não somente para sustentar a casa, mas para presentear a todos e todos os dias. Esses ideais rondam a sociedade, seja consciente ou inconscientemente, a vida segura e opulenta, com muita ostentação. O material e o dinheiro estão postos como promessas de um vida melhor, mas o que infelizmente não percebemos é a decadência do ser humano e das suas relações. Não olhamos mais para o outro, olhamos somente para os bens.
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