sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Um show de graça que tomei no cu.

Minha vida é permeada por não ganhar nada, até então tinha ganhado apenas um livro chato pra cacete quando cursei geografia de artigos acadêmicos e nunca o li. Dias atrás estava num site de música e lá tinha a promoção para assistir uma banda gringa que viria à cidade, inscrevi meu correio eletrônico sem mesmo conhecer o som daquilo. Lembro que na foto de divulgação da banda mostrava oito músicos, velhos, algo que remete você aos gêneros de soul, blues, jazz, reggae etc. Esta semana recebi uma mensagem do site informando que eu fui premiado com um convite para ver a apresentação.

Hora do almoço, deus baforando radiação solar, vou ao endereço indicado e retiro o ingresso sem problemas, admito que fiquei alegre do segundo prêmio da minha vida, depois do livro chato pra caralho de artigos acadêmicos de geografia, agora eu tinha conseguido um ingresso para ver um show gringo na faixa. Sai no lucro.

Dia do show.

Não estava tão empolgado em ver uma banda que não conhecia e nunca ao menos ter ouvido uma música, mas feliz de ir num show que a inteira custava trezentos reais, não pago isto para ver um grupo musical nem se ganhar na mega sena. Parti para o local e quando chego sofro o primeiro impacto. Eu era o único que destoava na paisagem do público. Todos com trajes finos, mulheres com longos vestidos cor de primavera, homens com gel nos cabelos e barbas feitas, mulheres com cara que passaram a tarde inteira na Marly cabelereiros, unhas pintadas, anéis de casamentos de ouro puro, sorrisos com dentes brilhantes e eu, tênis Rainha furado, meias do Mickey esgarçadas, camiseta vagabunda e uma calça jeans com bolsos furados o que me obrigava a colocar minha carteira no saco para as moedas de dez centavos não sumirem.

Entro no lugar e sou encaminhado por um tipo de garçom com voz mansa para meu assento. Em pouco tempo o local está lotado e sofro o segundo impacto. Se em shows que estou acostumado a ir o público dançando solta chulé, bafo e asa, ali era diametralmente o contrário, todos estavam usando perfumes caros. O fedor era insuportável, pois eram centenas de cheiros destoantes, perfumes doces, amargos, amadeirados... e estas misturas me causaram uma ânsia de vômito nervosa. Foi a primeira vez na vida que estava entre um público onde as mulheres estavam com a perereca perfumada e os caras fediam a creme de barbear. Chamei o garçom de voz mansa e perguntei: “Mano, quanto tá a lata de breja?”. Ele meio confuso me respondeu: “Senhor não vendemos bebidas alcoólicas”. Fiquei me questionando qual o motivo de colocarem um cara vestido de garçom e sua única função é ser flanelinha de assento. Até agora isso não entrou na minha cabeça.

Então, eu com uma ânsia de vômito brutal e sóbrio de repente os músicos saem detrás de uma cortina vermelha. Todos aplaudem efusivamente aquela banda gringa que eu nunca tinha ouvido. Pensei: “Essa porra deve ser mais ou menos, todo mundo está alegre de ter torrado trezentos reais só para vê-los”. Os músicos se encaminham para seus instrumentos, o vocalista bate a mão no microfone, vê que está ligado e diz: “Cowrrritiba”, bastou isto para todas as calcinhas de renda e cuecas de seda ficarem em pé e começar a gritar e aplaudir demoradamente. Pensei: “Estes caras agora podem tocar qualquer merda que estes idiotas vão amar”.

A música da banda começa com ritmos fáceis, agradáveis, com arranjos bonitinhos e puros. Algo dançante, feliz, com aquela energia Luciano Hulk, mas bastava esses elementos para o público com um sorriso nas orelhas entrarem em transe. Então, sofro o terceiro impacto, todos tiram seus celulares para filmar. Azarado sendo meu sobrenome, a tia que estava na minha frente já estava me atrapalhando com o puta topete construído com laquê, mas o celular dela era bem mais escandaloso, o celular dela era do tamanho de um notebook. Pensei: “Vou assistir o show agora com este mini telão, porque não dá, o topete desta tiazinha chega ao teto do palco". Mas não só isto, além da tiazinha com celular tamanho de um notebook, todos filmavam felizes, e começo a escutar as primeiras reclamações: “Que internet 3g horrível”, “O instagram não abre!”, “Acabei de jogar um pouquinho no facebook”. “Que vergonha deste país onde não temos uma internet decente”. Era tragicômico, pois as pessoas pagaram um dinheirão para estar ali e ficar filmando aquilo para compartilhar. Qual o sentido disto?

Já não conseguia prestar atenção em porra nenhuma. Cheiro ruim, lugar sem cachaça, todo mundo filmando e eu ali deslocado, um pouco magoado, com aquelas músicas que se tornaram insuportáveis diante daquele público maldito. Então, sofro o quarto impacto, crianças!

A apresentação já estava em segundo plano, pois o público conversava alto, outros riam, vi um senhor mostrar o celular para a esposa e dizer: “Fala se este barbudo não tem que ser preso?”. Parecia uma praça de alimentação de uma loja de materiais de construção e as crianças eram só um complemento para transformar aquilo num galinheiro. Molecada do caralho fazendo manha para as mães “Mãe tô com fome!’, “Manhê quero Coca-Cola e batata fritas”, entre aquelas crianças chatas, formada por meninos pançudinhos e meninas com cabelos mais escovados que crinas de cavalos de corrida, notei um geniozinho soltar: “Mais que show chato!!!”.

Ri diabolicamente por dentro e respondi o infante mentalmente: “Você tem razão, só que você tá fudido porque vai ter que ficar até o fim, eu vou me mandar agora”. Em quarenta e dois minutos de apresentação levantei, sorri para o garçom de voz mansa e senti o cheiro da liberdade quando atravessei aquela porta.

Tirei a carteira do saco e juntei as moedas para pegar o busão. Dentro do ônibus pensei: “Dois prêmios, um livro de geografia de artigos acadêmicos que nunca li e um ingresso de show que tomei no cu”.


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