quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Redução Metonímica


Metonímia é uma ferramenta epistemológica que identifica a parte com o todo. Classificações do dia a dia ou científicas da organização ocidental do mundo são expressões de uma racionalidade “metonímica” que é parte do raciocínio instrumental denunciado por Weber da própria Escola de Frankfurt. A redução metonímica é a redução das reduções, uma redução a qual o único objetivo é reduzir, simplificar e fragmentar; uma redução esmagadoramente presente nos processos de compreensão, enunciação e classificação favorecida pela forma dominante de racionalidade contemporânea.
Culturas são construídas e mantidas na base de categorias imutáveis, preconceitos e suposições, e a metonímia facilita enormemente a constituição e transmissão desse mundo em oferecer isso em visões parciais e vieses mutilados. A metonímia segue o caminho progressivo de redução do mundo ao ponto de convertê-lo em um punhado de slogans e clichês. É por esta razão que a linguagem metonímica da propaganda e do marketing, que já infiltrou os discursos produzidos em nossa cultura, desde o político ao puramente científico, é tão eficiente. A tal extensão, na verdade, que a excepcionalidade do uso de metonímias tem se tornado uma ferramenta cognitiva lugar-comum, automática e, no entanto, dificilmente detectável, mas esmagadoramente presente em nossos discursos diários, escolhas e ações.
Em seu “Sociología de las ausencias” [A Sociologia de Ausências], Boaventura Santos considera que o raciocínio metonímico é uma forma de racionalidade que impõe “uma homogeneidade no todo e nas partes, que não existe além do relacionamento com a totalidade” (Santos, 2005, p. 155). Portanto, as totalidades teriam que ser construções formando uma parte de outras totalidades de modo que o mundo, a partir deste ponto de vista, seria não mais que uma casa gigante de cartas prontas para serem derrubadas pelo menor dos movimentos ou negligência de sua frágil estrutura. Para Santos, o raciocínio metonímico tem duas consequências. Por um lado, “é considerado um raciocínio exaustivo, exclusivo e completo, embora seja apenas uma das lógicas de racionalidade existentes no mundo. Por outro, para o raciocínio metonímico nenhuma das partes pode ser considerada além de seu relacionamento com o todo […]. Então é incompreensível que alguma das partes tenha sua própria vida além do todo […]. A modernidade ocidental, dominada pelo raciocínio metonímico, não apenas tem uma compreensão limitada do mundo mas também de si mesma” (Santos, 2005, p. 156).
A convicção, tão firmemente enraizada no ocidente, de atribuir um valor universal a um estilo de vida estritamente local e contemporâneo tem penetrado não apenas no imaginário diário da população ocidental mas também em culturas pró-ocidentais e marginais, em vários casos por meio da adoção silenciosa e gradual destes mesmos estilos de vida, tecnologias e linguagens ocidentais.
Duas ações cognitivas imediatas são produzidas através do raciocínio metonímico:
1) A fragmentação e divisão de todas as instâncias para então ser estudadas, dominadas e exploradas por partes como o corpo humano, culturas invadidas, ou as próprias agências ocidentais a serviço de uma eficiência supra-ocidental essencialista, como ocorre no campo da ciência, política valores ou divisão do trabalho.
2) A promoção de uma lógica arbitrária e irresponsável que, muito além do princípio hologramático de Morin (1996), envolve a identificação da divisão com o todo do qual era apenas uma parte. Assim, classes e partes são consideradas em um processo não controlado como espécies e todos, e tal lógica começa a operar em práticas diárias como um fluxo epistemológico incontrolável. Na floresta do conhecimento, cada árvore, tronco e galho ocuparia um lugar inquestionável.
Estou bem ciente do abuso de usar ainda novamente uma metáfora botânica, que teve muita popularidade no domínio da ciência e na disseminação do pensamento metonímico, desde que foi avançado por Porfírio. Mas precisamente por ser uma das metáforas que proveu conhecimento com o maior número de reduções, não quero evitá-la. O dano não será encontrado na metáfora mas no uso perverso do phoroi* além da semântica. Na verdade, Deleuze e Guattari (1994) recuperaram e reabilitaram a metáfora botânica por meio do rizoma, um conjunto de raízes anárquicas, descontínuas, caprichosas e emaranhadas, como aquelas dos mangues do sul, como uma figura de desmantelamento epistemológico. Este é o nutriente a partir do qual brota a teoria de desclassificação apresentada neste artigo.

* Do grego φοροι, imposto, tributo.

REFERÊNCIAS
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil mesetas: capitalismo y esquizofrenia. Valencia: Pretextos, 1994.
MORIN, E. Introducción al pensamiento complejo. Barcelona: Gedisa, 1996.
SANTOS, B.S. El milenio huérfano. Madrid: Trotta, 2005.
Fonte: indexadora.wordpress.com

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