Metonímia
é uma ferramenta epistemológica que identifica a parte com o todo.
Classificações do dia a dia ou científicas da organização ocidental do mundo
são expressões de uma racionalidade “metonímica” que é parte do raciocínio
instrumental denunciado por Weber da própria Escola de Frankfurt. A redução
metonímica é a redução das reduções, uma redução a qual o único objetivo é
reduzir, simplificar e fragmentar; uma redução esmagadoramente presente nos
processos de compreensão, enunciação e classificação favorecida pela forma
dominante de racionalidade contemporânea.
Culturas
são construídas e mantidas na base de categorias imutáveis, preconceitos e
suposições, e a metonímia facilita enormemente a constituição e transmissão
desse mundo em oferecer isso em visões parciais e vieses mutilados. A metonímia
segue o caminho progressivo de redução do mundo ao ponto de convertê-lo em um
punhado de slogans e clichês. É por esta razão que a linguagem metonímica da
propaganda e do marketing, que já infiltrou os discursos produzidos em nossa
cultura, desde o político ao puramente científico, é tão eficiente. A tal
extensão, na verdade, que a excepcionalidade do uso de metonímias tem se
tornado uma ferramenta cognitiva lugar-comum, automática e, no entanto,
dificilmente detectável, mas esmagadoramente presente em nossos discursos diários,
escolhas e ações.
Em
seu “Sociología de las ausencias” [A Sociologia de Ausências], Boaventura
Santos considera que o raciocínio metonímico é uma forma de racionalidade que
impõe “uma homogeneidade no todo e nas partes, que não existe além do relacionamento
com a totalidade” (Santos, 2005, p. 155). Portanto, as totalidades teriam que
ser construções formando uma parte de outras totalidades de modo que o mundo, a
partir deste ponto de vista, seria não mais que uma casa gigante de cartas
prontas para serem derrubadas pelo menor dos movimentos ou negligência de sua
frágil estrutura. Para Santos, o raciocínio metonímico tem duas consequências.
Por um lado, “é considerado um raciocínio exaustivo, exclusivo e completo,
embora seja apenas uma das lógicas de racionalidade existentes no mundo. Por
outro, para o raciocínio metonímico nenhuma das partes pode ser considerada
além de seu relacionamento com o todo […]. Então é incompreensível que alguma
das partes tenha sua própria vida além do todo […]. A modernidade ocidental,
dominada pelo raciocínio metonímico, não apenas tem uma compreensão limitada do
mundo mas também de si mesma” (Santos, 2005, p. 156).
A
convicção, tão firmemente enraizada no ocidente, de atribuir um valor universal
a um estilo de vida estritamente local e contemporâneo tem penetrado não apenas
no imaginário diário da população ocidental mas também em culturas
pró-ocidentais e marginais, em vários casos por meio da adoção silenciosa e
gradual destes mesmos estilos de vida, tecnologias e linguagens ocidentais.
Duas
ações cognitivas imediatas são produzidas através do raciocínio metonímico:
1)
A fragmentação e divisão de todas as instâncias para então ser estudadas,
dominadas e exploradas por partes como o corpo humano, culturas invadidas, ou
as próprias agências ocidentais a serviço de uma eficiência supra-ocidental
essencialista, como ocorre no campo da ciência, política valores ou divisão do
trabalho.
2)
A promoção de uma lógica arbitrária e irresponsável que, muito além do
princípio hologramático de Morin (1996), envolve a identificação da divisão com
o todo do qual era apenas uma parte. Assim, classes e partes são consideradas
em um processo não controlado como espécies e todos, e tal lógica começa a
operar em práticas diárias como um fluxo epistemológico incontrolável. Na
floresta do conhecimento, cada árvore, tronco e galho ocuparia um lugar
inquestionável.
Estou
bem ciente do abuso de usar ainda novamente uma metáfora botânica, que teve
muita popularidade no domínio da ciência e na disseminação do pensamento
metonímico, desde que foi avançado por Porfírio. Mas precisamente por ser uma
das metáforas que proveu conhecimento com o maior número de reduções, não quero
evitá-la. O dano não será encontrado na metáfora mas no uso perverso do phoroi*
além da semântica. Na verdade, Deleuze e Guattari (1994) recuperaram e
reabilitaram a metáfora botânica por meio do rizoma, um conjunto de raízes
anárquicas, descontínuas, caprichosas e emaranhadas, como aquelas dos mangues
do sul, como uma figura de desmantelamento epistemológico. Este é o nutriente a
partir do qual brota a teoria de desclassificação apresentada neste artigo.
*
Do grego φοροι, imposto, tributo.
REFERÊNCIAS
DELEUZE,
G.; GUATTARI, F. Mil mesetas: capitalismo y esquizofrenia. Valencia: Pretextos,
1994.
MORIN,
E. Introducción al pensamiento complejo. Barcelona: Gedisa, 1996.
SANTOS,
B.S. El milenio huérfano. Madrid: Trotta, 2005.
Fonte:
indexadora.wordpress.com
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