quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O tempo obscuro de um mundo (((musical))) controlado. E “libertários” policiais da cultura!


Mentícidio¹ e normopatia² são dois termos usados na psicologia, e acredito que podem ser ampliados para outras searas, como economia, religião, entre outros. O subtítulo é obviamente a limitação destes dois termos para um campo específico, o mundo libertário, a música, e como muitas pessoas que se intitulam libertários comportam-se como policiais.
A música, o som e o ouvinte: Por que quase não há discussão sobre o motivo de escutarmos punk (ou qualquer outro subgênero do punk) no meio dito anarquista? Por que os anarquistas (uma parte deles) escutam música punk? Por que a música de protesto jovem hoje, quase em sua totalidade, está associada ao rock and roll, punk, etc. O que está sendo comemorado em apresentações com bandas ditas de protesto/punk? Existem limites dentro do gênero punk?
Essas questões dariam, cada uma delas, longas discussões. Assim, coloco-as como ponto de partida para podermos pensar mais especificamente, o que é música, som e escuta e como muitas vezes esses conceitos são utilizados como pretexto para reforçar o capitalismo, incentivar o consumismo nonsense. O som não tem o mesmo sentido para todos os que o escutam. A música, mais ampla, coletânea de sons, muito menos. Assim sendo, conseguimos fazer uma primeira diferenciação de música e som.
O som é uma construção lógico-subjetiva do ouvinte, uma percepção de fenômenos físicos. A música é a construção da ideia sobre sons, uma representação racional que constrói uma estrutura contendo valores semânticos e linguísticos, entre outros. Já o ouvinte é o resultado da interpretação dos dois primeiros conceitos, o resultado de uma ideia musical. É aqui, na escuta – ato do ouvinte - ouvir, que por meio de uma idealização musical, o som entra na seara político-moral e torna-se música.
Partindo dessas proposições e muitas outras que caberiam aqui³ podemos agora pensar nosso comportamento diante de uma gig e como ela, muitas vezes, é a reprodução dos nossos comportamentos no cotidiano. Cabe a quem está lendo o texto refletir sobre onde está a hierarquização na gig (cantor, vendedores de apetrechos, dono do lugar), separação por gêneros (meninas e meninos organizados em grupos), entre outros aspectos, e porque são dessa forma.
É claro que quase nada no mundo é oferecido de graça, mas para quem favorece o dinheiro gasto? Quem está no fim lucrando com uma gig? Uma ponta certamente é o dono da empresa que fabrica cervejas, as empresas que fabricam instrumentos musicais, o dono do local, e várias pessoas de shoppings centers fabricando apetrechos bonitos, acredito que você já entendeu onde quero chegar. Aqui devemos nos questionar o motivo de ser assim e a razão disso ser aceito/tolerado dentro de um contexto que pretende agir de maneira diferente de um evento extremamente opressor; como os festivais de música brasileiros. Por exemplo, porque não tentar entender e construir seus próprios instrumentos, construir amplificadores, criar novas maneiras de fazer música, é verdade que vamos chegar a um ponto que somente a indústria tem controle, como produção de chips, capacitores, etc. Mas mesmo assim podemos ter mais liberdade em não ser enganados e difundir conhecimento ao contrário de pagar por fetiches inventados pela Korg ou Marshall. Ou seja, se apropriar dos instrumentos antes que eles se apropriem da gente. Deve-se, antes de tudo, pensar nosso mundo para querer fazer parte de outros, ou você constrói sua vida ou sua vida será construída por um publicitário anarco-capitalista da Nike. Acredito que podemos romper com a sociedade de consenso, reflexo desta sociedade é encontrado muitas vezes, por exemplo, quando um vocalista de 40 anos de cena faz um discurso moralista usando técnicas de cooptação afetivas e o público aplaude porque gosta da música por ele vomitada. Percebe-se que só porque se criaram medidas sociais (40 anos de cena, música barulhenta, tocando em gigs) a pessoa sempre estará defendendo um mundo livre. Pelo contrário, muita música considerada de protesto/inteligente/libertária é apenas um reforço positivo para esse mundo porco.

              
Vamos invadir o palco e limpá-lo quando tudo estiver destruído!


A arte perigosa não é aquela admirada pelo ouvido doente que deseja ouvir com outro ouvido, quem faz isso morre cedo ou cairá em depressão. A arte perigosa te faz querer tomar a guitarra, o microfone, o baixo, a bateria e tudo o mais e criar sua própria experiência sonora.
            Se a função de uma gig organizada que não é patrocinada por empresas, por editais governamentais, mas realizada por gente que acredita na liberdade e frequentada por pessoas que desejam ser livres, então a função do artista deve ser comunal, sem barreira alguma, sem massagem egoica. Pois o contrário seja banda grindcore ou noisecore, sempre será apenas um mediador de experiência para o consumo. Música consumível com rótulo bonito. No entanto, esvaziada de valores semânticos.
            Nem todos precisam ser músicos, tocar, etc... Mas é importante que a relação artista-público seja construída de forma não hierarquizada, só assim, podemos começar a falar em liberdade.
               


1.             Mentícidio: Sistemática e intencional destruição da mente consciente pessoal com o propósito de instilar dúvida e substituí-la por idéias e atitudes diretamente opostas às idéias e atitudes normais, sujeitando as pessoas a torturas mentais e físicas, a extensos interrogatórios, sugestões, treinamentos e narcóticos. 2 Tipo de aculturação de povos primitivos que os leva a perderem seus valores mentais característicos e a desaparecerem como grupo étnico definido.
2.             Normopatia O psicanalista Christopher Bollas criou a ideia da normopatia para descrever pessoas que tem tal nível de fixação em se integrar socialmente e de acordo com as normas que isso se torna um tipo de vício. Uma pessoa normopata geralmente tem uma fixação não-saudável em não ter uma personalidade própria, e age exatamente de acordo com as expectativas da sociedade. Normopatia extrema é caracterizada por revoltas com as normas, quando o normopata cede à pressão do conformismo e se torna violento ou tem atitudes bastante perigosas. Muitas pessoas experimentam uma normopatia amena em diferentes fases da vida, especialmente quando tenta se adequar a uma nova situação social, ou quando tentam esconder comportamentos que eles acreditam que outras pessoas condenarão.:
3.             Leia artigo já publicado neste blog: Improvisação livre na música e capitalismo: a resistência à autoridade e o culto pelo cientificismo e a celebridade

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