Como nas brincadeiras de
crianças (o que você preferiria ter? câncer ou AIDS?) se me perguntassem o que
eu desejaria? Ser eunuco sem precisar trabalhar? Ou ter tudo e trabalhar oito
horas e quarenta cinco minutos por dia? Certamente teria escolhido a primeira
opção há mais de dez anos... O problema é que já fizeram esta escolha para mim.
Trabalho oito horas e quarenta e cinco minutos por dia e não tenho porra
nenhuma. Venho diariamente para a senzala, pois acho que devo ter mais talento
que ser hippie ou pastor neopentecostal, ou, sinceramente, sou covarde.
Alguém aí já conheceu um
gênio na humanidade que tinha carteira de trabalho assinada? Eu não... Enfim, a
vida consiste em você passar mais da metade dela tentando usar a outra metade
sem fazer nada, o problema é que se conseguimos já estaremos velhos cheios de
pontes de safena.
Continuando a série
“tragédia classe-média”, hoje refletirei sobre uma lenda chamada “colegas de
trabalho”. Nunca tive colegas de trabalho, já tive colegas que um dia
trabalharam comigo, são coisas distintas. Criar colega no trabalho é tão raro
como entender um pedagogo de colégio particular.
Somente no pelourinho um
inimigo, fofoqueiro, falastrão, mal intencionado é considerado amigo e somos
obrigados a conviver diariamente. Sugiro nunca deixar um colega de trabalho
sozinho dentro da tua casa. Recomendo não ter nem contato com colegas de
trabalho, uma boa tática é após algum tempo fingir surdez ou autismo leve.
Trabalhar antes de matar, também te torna um individualista maldito.
Além da dificuldade de
enfrentar todos os impropérios que o trabalho gera, diariamente tenho que
escutar todo tipo de merda, ficar atento aos bisbilhoteiros virando o pescoço
enquanto leio textos agradáveis como Manifesto Unabomber para ver se a porra da
hora torna-se segundos. Não, não funciona!
O que vou relatar hoje é um
trecho de uma Field recording do que sou obrigado a passar 5 dias por semana. 8
horas e 45 minutos por dia. Um diálogo real do “monólogo”.
CD = Cultura Dissonante = um
rebelde contra o trabalho, possivelmente com distimia causada por ter que
trabalhar.
TF = Testa falante = uma
personagem que para relaxar tem que falar pra caralho.
RD= Riso demente = uma
personagem que adora cantar música ruim e ser paisagem na vida alheia, ou seja,
é um rádio em formato humano numa programação ruim ad infinitum “Oi
gentiiii!!”.
TF - Bom dia.
CD – Bom...
RD – Bom dia amigossss!!!!
TF – Ai gente peguei um
trânsito até chegar aqui, você viu?
CD – Não... (é sempre bom
dar negativas para ver se a conversa já termina por aqui, mas sempre tem um
filho da puta para dar corda).
RD – O quê!!!
TF- Ai a menina que foi
estuprada, espancada... Será que vai chover hoje?
CD - ...
RD – Meu !! DE-US!! Que
horror! Gostou da minha calça jeans?
CD - ...
TF – Ai estou com fome,
nossa a Dilma caiu, Cultura Dissonante acordou de mau-humor hoje?
CD- Não.
RD – Pi pi piri pire
piradinha, ela tá maluca, ela tá doidinha.
TF – Ai o tempo não passa.
(isso meia hora depois ainda
faltando mais de oito horas restantes).
TF – Cultura Dissonante o
que você está fazendo?
RD – É segunda-feira dia de
lua cheiaaaa!! Com esse brilho minha paixão incendeia!!!
CD – Trabalhando?
RD - Por que será Que você só enxerga os meus
defeitos Porque será!!!
TF – Meu namorado, meu
namorado não me ligou ontem você acha que ele gosta de mim?
CD – Não
TF- Nossa, por quê?
RD - Tchu tchu tchu tchu tchururu tchurururu!!!!
TF- Ai ele não faz nada que eu peço, isso nunca
daria certo mesmo.
CD - ...
RD - Passa, ressaca de amor
passa, Não demora, ela passa, É só tomar um porre .
TF – Será que ele gosta de
mim?
RD – Está esfriando né?
CD - ...
CD - ...
CD - ...
CD - ...
Diariamente, neste entre
reinos de monólogo e disfunção emotiva, chão de fábrica congelado pelo desgosto
e vidas infelizes, estes diálogos acontecem, ganham vida.
A verdade que todo mundo
finge não conhecer é que no mundo corporativo nada traz mais alegria quando
somos informados que o colega de trabalho foi demitido. “Sabe o Sandro? Então,
ele foi desligado da empresa” Como se uma mente sadia fosse apenas uma tomada,
um plugue. Fingimos preocupação, mas a primeira coisa que pensamos é “Me
livrei!”.
Aqui, dentro das salas com
ar-condicionado o que mais nos interessa é o relógio e se o café ainda está
quente. O resto são futilidades que fingimos interesse...
Neste exato momento, também tenho um Testa Falante sentado no mesmo ambiente. Ele sofre de uma intensa hemorragia verborrágica desatada nas pregas vocais. TF padece de carência, utiliza de forma negligente seu mecanismo para gerar a voz humana, causando-lhe intensa disfonia. Vibra suas pregas atrás de atenção e, sem sucesso, perscruta rapidamente seu smartphone por notificações em rede sociais, feito um viciado em curtidas e pedidos de chats. TF volta à realidade, emitindo pela boca novas ondas sonoras em direção à cóclea dos ouvintes inocentes. São ciclos constantes, um loop infinito de monótono horror...
ResponderExcluirEm tempo, recomendo um filme revolucionário sobre ambiente de trabalho; Space Office, do mesmo cara que criou Beavis & Butthead: http://pt.wikipedia.org/wiki/Office_Space
Um outro desenho que gosto é Dilbert e toda aquela palhaçada cínica do mundo corporativo. Hoje estou ouvindo novamente sobre namorados (será que eu terminuuuu, own...) como se eu fosse psicólogo. Nunca li Freud e sei menos de psicologia do que Augusto Cury. Depois que inventaram smartphones não tem sentido nenhum empresas limitarem a internet. Já ouvi uma pessoa aqui falando "não adiciono colega de trabalho no facebook porque vão descobrir que eu fico o dia inteiro lá". Não conhecia este filme, quero vê-lo.
ResponderExcluirUma leitora do blog, mandou-me de forma anônima agora.
ResponderExcluir"Ri bastante com os comentários do Morevi. Realmente, todo mundo tem um sarna para aguentar no local de trabalho. O sarna aqui no meu é um tal de Juvenal, véio, só fala da filha, canta as meninas todas do cartório e fala bosta na cara das pessoas, não tem um pingo de bom-senso. Fala tipo "pinto" no meio das conversas ou manda tomar no cú sem motivo, coisas deste tipo. Qualquer um sabe que tem que cuidar com o que fala, por respeito. Tem hora para "descer o nível", numa discussão, por exemplo. O problema é que esse cara ultrapassa o bom senso. Acredita que chegou uma advogada agora, toda arrumada, bonita, mas teve um idiota aqui que fez questão de ir até esse Juvenal para falar dela, só para o cara sair da sala dele e vir ver a mulher? Certeza que depois ficam falando merda na sala, sobre ela."
Juvenal deve ser um equivalente daquele personagem Joselito Sem Noção, do Hermes e Renato. Alguém podia escrever um 'bestiário do mundo corporativo', relacionando essas espécies e seus hábitos peculiares.
ResponderExcluir