quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Ensaio como forma

Adelto Gonçalves




Para se compreender melhor o contexto em que Adorno escreveu estes textos de intervenção, é preciso que se diga que, à época, a crítica literária alemã vivia um tempo de crise, a ponto de ter difamado o ensaio como um produto bastardo. O pensador faz nesse texto uma defesa intransigente e lúcida da forma ensaística, mostrando que o gênero constitui a maneira mais adequada de se traduzir os movimentos do pensamento dialético, que decifra o objeto sem prendê-lo à teia rígida dos conceitos.

Segundo o pensador, a crítica literária alemã havia perdido seus vínculos com a tradição da crítica dialética que, nas obras de Georg Luckács e de Walter Benjamin, pensara de maneira instigante e sem reducionismos a relação entre a arte e a sociedade, como observa na apresentação o tradutor Jorge de Almeida, professor do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo.
Dos ensaios reunidos por Adorno em 1958, dois textos já haviam sido divulgados em tradução brasileira na década de 1970 – “Posição do narrador no romance contemporâneo”, por Modesto Carone, e “Lírica e sociedade”, por Rubens Rodrigues Torres Filho –, mas foram retraduzidos “em busca de uma dicção própria e da unidade do conjunto da obra”, o que significa adequá-los à “fluência quase musical” do texto de Adorno, segundo Almeida. 
Além desses textos célebres, o leitor encontrará neste primeiro volume ensaios menos conhecidos sobre Homero, Heine, Eichendorff, Valéry, o Surrealismo e as relações entre a fala, a escrita e os sinais de pontuação. Mais três volumes estão previstos e vão reunir textos publicados em 1961 e 1965, além de ensaios que saíram postumamemente em 1974. 
No ensaio “Posição do narrador no romance contemporâneo”, Adorno discute os limites do romancista e sua obra, observando que o romance deveria se concentrar naquilo que não é possível dar conta por meio do relato. Só que, em contraste com a pintura, diz, a emancipação do romance em relação ao objeto foi limitada pela linguagem, já que esta ainda o constrange à ficção do relato. Por isso, ressalta a grandeza de James Joyce que foi coerente ao vincular a rebelião do romance contra o realismo a uma revolta contra a linguagem discursiva.
Leitura fundamental para a compreensão da sociedade e da literatura do século XX, estes ensaios de Adorno merecem ser lidos por todos aqueles que se dedicam ao exercício solitário da crítica literária. São ferramentes indispensáveis ao ofício porque ensinam o crítico a compreender a obra de arte, dela libertar-se para criar a sua própria obra. 
Afinal, embora parta de um texto já criado, o ensaio, se feito com brilho, pode se tornar também uma obra de arte, como se tem visto desde Sainte-Beuve a Edmund Wilson, passando pelo próprio Adorno, por Erich Auerbach, T.S. Eliot, Mikhail Bakhtin, Northrop Frye e tantos outros.

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