Lima Barreto - Correio da Noite, Rio, 28-12-1914
Noticiam os jornais que um delegado
inspecionando, durante uma noite destas, algumas delegacias suburbanas,
encontrou-as às moscas, comissários a dormir e soldados a sonhar.
Dizem mesmo que o delegado-inspector
surripiou objetos para pôr mais à mostra o descaso dos seus subordinados.
Os jornais, com aquele seu louvável bom senso
de sempre, aproveitaram a oportunidade para reforçar as suas reclamações
contra a falta de policiamento nos subúrbios.
Leio sempre essas reclamações e pasmo. Moro
nos subúrbios há muitos anos e tenho o hábito de ir para a casa alta noite.
Uma vez ou outra encontro um vigilante
noturno, um policial e muito poucas vezes é-me dado ler notícias de crimes nas
ruas que atravesso.
A impressão que tenho é de que a vida e a
propriedade daquelas paragens estão entregues aos bons sentimentos dos outros
e que os pequenos furtos de galinhas e coradouros não exigem um aparelho
custoso de patrulhas e apitos.
Aquilo lá vai muito bem, todos se entendem
livremente e o Estado não precisa intervir corretivamente para fazer respeitar
a propriedade alheia.
Penso mesmo que, se as coisas não se
passassem assim, os vigilantes, obrigados a mostrar serviço, procurariam meios
e modos de efetuar detenções e os notívagos, como eu, ou os pobres-diabos que
lá procuram dormida, seriam incomodados, com pouco proveito para a lei e para o
Estado.
Os policiais suburbanos têm toda a razão.
Devem continuar a dormir. Eles, aos poucos, graças ao calejamento do ofício, se
convenceram de que a polícia é inútil.
Ainda bem.
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