O coletivo Critical Art Ensemble coloca em cena as relações cada vez mais complexas entre formas de resistência e tecnologia.
As formas de resistência política e cultural têm se modificado muito nos últimos anos, principalmente quando se observa sua relação com as novas tecnologias, em especial as de informação e comunicação. Seja como um meio para organizar novas formas de resistência, ou como alvo de crítica, a tecnologia imiscuiu-se na questão tornando os cenários e as ações mais complexas. Nas recentes manifestações públicas na Europa e no Oriente Médio, por exemplo, redes sociais ou a comunicação entre celulares foram amplamente citados pela imprensa como um meio de organização das formas de resistência.
É diante desse cenário que se torna importante recuperar alguns dos trabalhos do coletivo Critical Art Ensemble (CAE), composto por cinco profissionais de mídia tática (fotografia, webdesign, computação gráfica, entre outros) que, desde 1987, tem produzido trabalhos artísticos e livros sobre a relação entre tecnologia e poder. Mas, antes de apresentar alguns desses trabalhos, é necessário informar ao leitor o que o próprio grupo define como mídia tática e, em grande medida, como se autodefine.
Isso está contemplado em um dos livros do próprio grupo que busca situar seus trabalhos nas fronteiras entre ativismo, arte e tecnologia (como tema e como suporte). Digital resistance, de 2001, argumenta que, por muitas décadas, tem existido uma prática cultural enraizada no avant-garde, no alto valor da experimentação e no envolvimento indissolúvel entre representação e política. Os participantes dessa corrente cultural não são artistas e não são ativistas políticos em nenhum sentido tradicional. Para o grupo, o universo em que essa manifestação cultural eclode é o da mídia tática, cujo termo consiste na teorização crítica das práticas da mídia. A obra trata essa nova forma de manifestação e aborda, em suas páginas, teorias documentais e vestígios da mídia tática em que o grupo procura não representá-los como um modelo, mas como uma série de possibilidades.
No conjunto dos seis livros já publicados e disponíveis na internet, o grupo observa os principais motores da sociedade contemporânea e constata que, atualmente, há inúmeras formas de opressão, dominação e resistência e que a tecnologia pode ser uma ferramenta em todos esses casos.
O primeiro livro do grupo The eletronic disturbance data de 1993, mas só foi publicado no Brasil em 2006, como Distúrbio eletrônico, pelo selo Baderna, da Editora Conrad. Nele, o coletivo anunciava – ainda durante os primeiros passos da internet – que as regras da resistência política e cultural tinham mudado drasticamente. O CAE sinaliza, nesse trabalho, a tecnologia como alvo de crítica, na medida em que entende o desenvolvimento da computação e do vídeo criou uma nova geografia das relações de poder no primeiro mundo: as pessoas foram reduzidas a dados, a vigilância passou a se dar em escala global, e as mentalidades foram moldadas para uma nova realidade. A nova geografia é virtual e o núcleo da resistência política e cultural deve se afirmar no espaço eletrônico, apontando a tecnologia como meio de organização da resistência.
Eles afirmam, na obra, que sempre houve uma ideia do que seria o virtual, apesar dela ter se constituído inicialmente a partir de um certo “misticismo”, de um pensamento analítico abstrato ou de uma fantasia romântica. O que tornou possível os conceitos e ideologias do virtual é que esses sistemas pré-existentes de pensamento se expandiram e se manifestaram no desenvolvimento e entendimento da tecnologia.
Já em Electronic civil disobedience lançado três anos depois (1996), o grupo continua a explorar o mesmo território que a primeira obra desbravou, mas passa a tratar a noção de poder nômade (entendido como dominação) e sugere, como contrapartida, ou oposto simétrico e deslocalizado, a ideia de resistência nômade. Em suma, o CAE retoma a possibilidade de uma resistência racionalizada, mas amplia essa posição tradicional para manter a dinâmica social nômade, ou seja, como algo que não é fixo, que está em movimento constante, e que tem um caráter mais espontâneo surgindo como um motor paralelo de resistência. Nesse contexto, fica claro que, essa nova cultura ativista que vemos na atualidade, busca se organizar fora da existência, ou pelo menos, num ponto em que ela não pode ser vista ou não fique aparente.
A temática mais direta desses dois primeiros livros – que em grande parte encontra pontos de contato com a computação, ou as atuais redes sociais ou tecnologias de informação e comunicação – está bem menos presente nos trabalhos seguintes. Ou, para ser mais exata, não está presente de forma direta.
Assim, se no primeiro livro (1993), a resistência deve ser afirmada no espaço eletrônico, e nômade ou deslocalizada, no segundo livro (1996), ela deve ser molecular, ou seja, deve se dar no nível mesmo do conhecimento dos sistemas, naquilo que é mais ínfimo.
Nos últimos cinco anos que antecederam o livro Molecular invasion, escrito em 2002, o Critical Art Ensemble realizou performances que criticam a representação, os produtos e as políticas relacionadas a biotecnologias emergentes. Seguindo essa mesma trilha, o grupo examina, nesse livro, como utilizar o velho capital representativo com o propósito de aumentar a consciência para criar um modelo que possibilite uma outra biologia. O CAE, ao escrever essa obra, tinha como objetivo contribuir para o desenvolvimento de formas cada vez mais complexas de retardar, desviar, subverter e perturbar a invasão molecular por meio da apropriação radical do conhecimento dos sistemas, dos produtos e processos desenvolvidos por potencias do que eles nomeiam como imperialismo.
Em 2006, o Critical Art Ensemble escreveu sua última obra disponível na internet: Marching plague. Nela, o coletivo sinaliza que o uso de símbolos abstratos para o medo sempre se deu como um meio para justificar e manifestar a mais perversa necessidade de autoridade militar e apagar as autonomias individuais. Como exemplo, é citado o atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2011. Para eles, posteriormente a esse evento, passou a reinar o medo como uma unidade fundamental da política, da economia e da área militar. Sobre isso, a opinião do CAE é simples. O grupo argumenta com uma metáfora, na qual a preparação para uma guerra biológica é um eufemismo para o desenvolvimento de uma guerra e da militarização biotecnológica da esfera pública.
Marching plague, conclui assim, com um apontamento de novas estratégias de dominação (a militarização biotecnológica da esfera pública), uma coletânea de seis livros recheados de metáforas e analogias sobre a resistência, colocando sempre em primeiro plano a problematização das tecnologias e a crítica a todo tipo de dominação. As seis obras do Critical Art Ensemble estão todas disponíveis na internet, incluindo o livro Flesh machine, não tratado nesta resenha: http://www.critical-art.net/books.html
Electronic disturbance
Ano: 1993
Nº de páginas: 136
Electronic civil disobedience
Ano: 1996
Nº de páginas: 135
Digital resistance
Ano: 2001
Nº de páginas: 152
Molecular invasion
Ano: 2002
Nº de páginas: 140
Marching plague
Ano: 2006
Nº de páginas: 148
Por Carolina Octaviano, Com Ciência
O Minc devia obrigar a compra do Distúrbio Eletrônico logo no primeiro saque com o Vale Cultura. Idem para livros do Zizek, Virilio, Chomsky, Palahniuk e Augusto dos Anjos!
ResponderExcluirÓtima ideia, abriria mundos para uma parte da população. A outra, mediana, medíocre...teria a capacidade da canalhice de vender o livro no primeiro sebo que encontrar.
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