terça-feira, 30 de julho de 2013

Marinetti e o futurismo

                                                                                                           (*) Apanhado de "Manifiestos y Textos Futuristas" F.T. Marinetti Ediciones del Cotal S.A. - 1978. Barcelona, España.

Olá, Paulo Buzzi, Gian Pietro Lucini, Govoni, Altomare, Russolo, Carrieri, Frontini! Turbilhões de poeira agressiva, cegadora fusão de azofre, de potássio e de silicatos para as janelas da ideia.
Covardes, covardes!...-gritei virando-me para os habitantes de Paralisia, que se amontoavam lá embaixo como um montão de ardentes balas para nossos canhões futuros.

Covardes, covardes! Que vos sucede para gritar assim, como desolados ratos vivos? Temeis que possamos pôr fogo em vossas casas?...Ainda não; no próximo inverno faremos saltar todas as tradições como pontes carcomidas... Se amamos a guerra?...É nossa única esperança, o móvel de nossa vida e nosso desejo mais ardente... Sim; a guerra contra vocês, que morrem lentamente, e contra todos os mortos que obstruem os caminhos!

Antes de uma vida vacilante, cortada por agonias lúgubres, por sonhos temerosos e pavorosos pesadelos, preferimos a morte violenta, e a glorificamos como a única digna do animal que se chama homem. Queremos que nossos filhos sigam alegremente suas inclinações, que acabem de uma vez com todas as idiotices que o tempo consagrou. Isto os indigna?...Protestais?...Gritai mais forte!...Não ouvi a injúria... Mais forte!...Quê? Ambicioso?...Sim, somos ambiciosos porque não queremos acotovelar-nos com vossa lã suja, rebanho mal cheiroso e de cor escura que "ramonea" pelos caminhos velhos da terra!...Apesar de que "ambicioso" não é bem a palavra exata. Somos bem mais jovens artilheiros revoltados... Podem ir acostumando vossos tímpanos ao ruído de nossos canhões... Queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade. Os elementos essenciais de nossa poesia serão o Valor, a Audácia e a Força. Como literatura tem glorificado até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase e o sonho, nós pretendemos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, o golpe e a bofetada. Já não existe beleza que não seja luta nem obras mestra que não tenham um caráter agressivo. A poesia deve ser um violento assalto contra as forças desconhecidas para obrigá-las a render-se ao homem. O tempo e o espaço morreram ontem. Vivemos já no absoluto, uma vez que criamos a eterna velocidade onipresente. Queremos glorificar a guerra, única higiene do mundo. A ação destrutiva dos anarquistas, as lindas ideias que matam...

Desejamos destruir os museus e as bibliotecas combater a moralidade de todas as covardias oportunistas e utilitárias. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, o prazer ou a rebeldia; as ressacas multicoloridas e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; a vibração noturna dos arsenais e as minas sob suas violentas luas elétricas, as glutonas estações que comem serpentes fumadoras...

Queremos livrar nosso país de uma gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários. Museus, cemitério!... Idênticos verdadeiramente em sua sinistra promiscuidade de corpos que não se conhecem. Dormitórios públicos onde se dorme para sempre junto a outros seres odiados. Avante os melhores incendiários de dedos queimados! Aqui! Aqui! Queimai com o fogo de vossos raios as bibliotecas! Desviai o curso dos rios para inundar os porões dos museus! Que nadem aqui e ali as obras gloriosas! Mão às picaretas e aos martelos! Derrubai os cimentos das cidades veneradas!!!

Admirar um quadro antigo é verter nossa sensibilidade em uma urna funerária, em lugar de lançá-la adiante com impulso violento de criação e ação. Quereis gastar vossas maiores energias em uma admiração inútil ao passado, da qual saireis forçosamente esgotados, diminuídos e rendidos?
Nos moribundos, nos inválidos e nos presos ainda passa. Para eles a admiração do passado é um bálsamo para suas feridas, desde o momento em que estão limitados para o porvir... Porém, não para nós, os jovens, os fortes e os vivos Futuristas!!! O mais velho de nós tem trinta anos; temo pois, dez anos pelo menos para levar a cabo nossa tarefa. Quando chegamos aos quarenta anos, que nos joguem os mais jovens e valorosos ao cesto do lixo como manuscritos inúteis.

A Arte é uma necessidade de destruir-se e de esparramar-se, grande regadeira de heroísmos que inunda ao mundo. Os micróbios - não o esqueçais - são necessários para a saúde do estômago e do intestino. Também existe uma espécie de micróbios necessários para a vitalidade da Arte, PROLONGAÇÃO DA SELVA DE NOSSSAS VEIAS, que se esparce, fora do corpo, no infinito do espaço e do tempo. Poetas futuristas! Eu os ensinei a odiar as bibliotecas e os museus, para preparar-vos para ODIAR A INTELIGÊNCIA, despertando em vocês a divina intuição, dom característico das raças latinas. Por meio da intuição venceremos a hostilidade aparentemente irredutível que separa nossa carne humana do metal dos motores. Depois do Reino Animal, começa o Reino Mecânico. Com o conhecimento e a amizade da matéria, da qual os cientistas somente podem conhecer as reações físico-químicas, nós prepararmos a criação do HOMEM MECÂNICO COM PARTES SUBSTITUÍVES. Nós o livraremos da ideia de morte, e, por conseguinte da morte mesma, suprema definição da inteligência lógica.

É estúpido representar no cenário uma briga ordenada, lógica e clara entre dois personagens, quando em nossa experiência de vida somente encontramos "pedaços de brigas" a que nossa atividade de homens modernos nos fez assistir por um momento em um trem, em um café, em uma estação, e que ficaram cinematogravadas em nosso espírito como dinâmicas sinfonias fragmentadas de gestos, palavras, ruídos e luzes.

É estúpido submeter-se às imposições do "crescendo" da preparação e do máximo efeito final. É estúpido deixar-se impor a própria genialidade ao peso de uma técnica que todos (inclusive os imbecis) podem adquirir à força de estudos, de prática e paciência. É estúpido satisfazer o primitivismo das massas, que ao final querem ver exaltado o personagem simpático e derrotado o antipático. É estúpido querer explicar com lógica minuciosa tudo aquilo que se representa, quando nem sequer na vida real conseguimos captar integralmente um acontecimento, com todas suas causas e consequências.
É estúpido escrever cem páginas quando uma seria suficiente, so porque o público, por costume e infantil instinto, quer ver o caráter de um personagem como resultado de uma série de fatos, e necessita ter a ilusão de que o personagem existe realmente para admirar seu valor artístico. É estúpido não rebelar-se contra os preconceitos da teatralidade, quando, a vida mesma (Que está constituída por AÇÕES INFINITAMENTE MAIS EMBARAÇOSAS, MAIS REGULADAS E MAIS previsíveis, das que se desenvolvem no campo da arte) é em sua maior parte antiteatral e oferece cênicas. TUDO É TEATRAL QUANDO TEM VALOR!! O teatro futurista goza de Shakespeare mas leva em conta uma piada dos atores, dorme durante uma obra de Ibsen mas se entusiasma diante dos reflexos vermelhos das poltronas.

Nossa consciência renovada nos impede de considera o homem como o centro da vida universal. O sofrimento de um homem é tão interessante a nossos olhos como o sofrimento de uma lâmpada elétrica que sofre com sobressaltos espasmódicos e grita com as mais desgarradoras expressões de cor.

Para pintar uma figura humana não é preciso reproduzi-la; basta reproduzir o ambiente que a rodeia.
Diz-se por toda parte que somos uns loucos. Isto não nos preocupa, pois da mesma se disse que Bach era louco. Bach o fez com relação à Beethoven, Beethoven à Wagner...Rossini dizia humoristicamente que, por fim, havia entendido um página da música Wagneriana lendo-a de baixo para cima; e depois de uma audição da "overtura de Tannhauser", Verdi escrevia a uma amigo que Wagner era um pobre alienado...Assim, pois, desde a janela de um glorioso manicômio, nos proclamamos como um princípio essencial de nossa revolução futurista que o contraponto e a fuga, nésciamente considerados como um dos ramos mais importantes do ensinamento musical, não são mais a nossos olhos que as ruínas dessa velha ciência da polifonia que se estende desde os flamengos até Bach!!!

Apressemo-nos, irmão meus! Para que as feras não se adiantem... Devemos manter-nos na primeira fila, apesar de nosso passo tardio... Oh, nossas mãos miseráveis e nossos pés que arrastam raízes!... Não somos mais que pobres árvores vagabundas!...E nos faz falta ter asas!!

De pé em cima do mundo, lançamos uma vez mais nosso desafio às estrelas. (*)

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