Trecho de um artigo muito interessante do escritor David Foster Wallace refletindo sobre a TV e como isso influenciou a literatura de ficção. Lembrei de muita coisa quando li este trecho, a ficção de Chuck Palahniuk, Mencken, críticos musicais......e por aí segue.
"Então como foi que a ironia, a
irreverência e a rebeldia se tornaram debilitantes, em vez de libertadoras, na cultura sobre
a qual a vanguarda de hoje tenta escrever? Uma pista pode ser encontrada no fato de
que a ironia ainda está aí, maior do que nunca, depois de trinta anos como modo dominante
de expressão dos artistas antenados. Não é um recurso retórico que envelheça
bem. Como diz Hyde (de quem eu obviamente gosto), “a ironia tem uso apenas
emergencial. Estendida no tempo, é a voz do prisioneiro que passou a gostar de
sua cela”. Isso se deve ao fato de que a ironia, embora prazerosa, tem uma função quase exclusivamente
negativa. É crítica e destrutiva, boa para limpar o terreno. Com certeza era assim
que nossos pais pós-modernos a viam. Mas é particularmente inútil quando se
trata de construir alguma coisa para por no lugar das hipocrisias que expõe. Eis por
que Hyde parece acertar ao dizer que a ironia renitente é cansativa. Eu acho perversamente
divertido ouvir o discurso de ironistas talentosos em festinhas, mas sempre saio com a
sensação de ter sido submetido a várias intervenções cirúrgicas radicais. Sem falar em
atravessar o país de carro ao lado de um ironista talentoso, ou ler um romance
de trezentas páginas em que não há nada além de sarcasmo espertinho,
experiências que nos deixam não apenas vazios mas, de alguma forma… oprimidos.
Pense, por um momento, nos
rebeldes do Terceiro Mundo e seus golpes de Estado. Rebeldes do Terceiro Mundo são
ótimos na tarefa de denunciar e por abaixo regimes hipócritas e corruptos, mas
parecem consideravelmente piores no trabalho mundano e não-negativo de estabelecer em
seguida uma alternativa superior de governo. Rebeldes vitoriosos, na verdade, parecem
se sair melhor quando usam seus talentos de força e cinismo para evitar que outros se
rebelem contra eles – em outras palavras, tornam-se apenas tiranos mais competentes.
E não resta dúvida: a ironia nos
tiraniza. A razão pela qual nossa difusa ironia cultural é ao mesmo tempo tão poderosa e tão
frustrante é que é impossível saber com clareza o que quer um ironista. Toda a
ironia americana se baseia num argumento implícito: “Na verdade eu não quero dizer o que
estou dizendo”. Mas então o que a ironia como norma cultural quer dizer? Que é
impossível querer dizer o que se diz? Que talvez seja mesmo uma pena ser impossível, mas
acorde para a vida e pare de sonhar? Acredito que no fim das contas a ironia de hoje está
provavelmente dizendo o seguinte: “Que coisa absolutamente banal você me
perguntar o que eu quero dizer”. Qualquer um que tenha a petulância herética de perguntar
a um ironista o que ele na verdade defende acaba por parecer histérico ou careta. Eis
o caráter opressivo da ironia institucionalizada, do rebelde bem-sucedido
demais: a capacidade de interditar a questão sem se reportar a seu conteúdo é, quando exercida,
tirania. Trata-se da nova junta de governo, usando a própria arma que devastou seu
inimigo para se encastelar".
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