Resenhar sobre elas seria uma tarefa de meses, então segue dez musicistas femininas e dez literatas que escutei periodicamente e li entre 2014 e 2015. Recomendo para os cinco leitores deste blog. Lembro que no começo do ano a Lilian Campesato estava fazendo uma lista de artistas femininas dentro do campo noise, a lista passava de trezentas meninas, se você tem Facebook procure no perfil dela. Eu tinha esta lista, mas meu computador explodiu e perdi.
Música
Matana Roberts - desde que escutei seu disco Coin Coin Chapter one... Acompanho seu trabalho genial dentro da free-music.
Virginia Genta - mulher italiana poderosa dentro do Free jazz com suas centenas de colaborações, extremamente barulhenta e inconformada.
Margaret Chardiet - seu projeto The Pharmakon é uma maravilhosa porrada dentro da eletrônica de potência. Seu dois últimos discos têm perspectivas femininas dentro desta seara inigualáveis.
Diamanda Galás - herege e áspera. Vários de seus pronunciamentos repudiam a cultura pop. Defensora árdua de cultura das chamadas minorias.
Carolina Maria de Jesus - fez sucesso com seu livro Quarto de Despejo que posteriormente virou disco. Maria de Jesus seria música e literatura de combate, nos mesmos campos de batalha de Lima Barreto, Facção Central ou As mães de maio.
Abbey Lincoln - um dos ícones femininos dentro do jazz que lutou pelos direitos civis dos negros. Escutem o clássico em que ela participa com Max Roach, We Insist! - Max Roach's Freedom Now Suite, disco gravado na década de 60 cheio de mensagens políticas.
Frederikke Hoffmeier - E seu projeto Puce Mary é uma viagem ruim sem rumo construído em uma eletrônica agressiva. Seus lançamentos até momento são com selos refinados como Freak Animal e Posh Isolation.
Junko Hiroshige - A deusa do Harsh Noise. Sou viciado em japanoise e acredito que o Hijokaidan seria bem menor se não existisse esta incrível artista com sua voz única.
Nina Simone - é até constrangedor falar dela, pois já foi canonizada dentro do jazz e do mundo mainstream. No entanto, sua voz cativa e convida participar em uma excursão mental solitária e prazerosa aditivada com álcool.
Lhasa de Sela - música profunda, sensível e cheia de territórios, Uma tristeza sem fim ter ido embora tão cedo deste planeta.
Literatura
Betty Friedan - Mística Feminina - "Contudo, permanece o fato de vivermos no mundo das realidades, do presente e do futuro imediatos, onde repousa a pesada mão do passado, um mundo onde a tradição ainda tem valor e os costumes exercem uma influência mais forte do que o teorista... um mundo onde a maioria dos homens e das mulheres casam e a maioria das casadas são donas de casa. Falar sobre o que poderia ser feito se a tradição e os costumes fossem radicalmente mudados, ou o que sucederá no ano 2000 pode ser um interessante exercício mental, mas não ajuda os jovens de hoje a ajustar-se à inevitabilidade da vida, ou a erguer seu casamento a um plano mais satisfatório."
Sylvia Plath - Ariel -
Lady Lazarus
Tentei outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito –
Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha feito abajur nazista,
Meu pé direito
Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.
Dispa o pano
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo? –
O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
O hálito amargo
Desaparece num dia.
Em muito em breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.
[…]
Ana Cristina César - A teus pés -
Casablanca
Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardías...
Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...
As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na
madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano.
Clarice Lispector - A paixão segundo G. H. - "Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.”
Emma Goldman - O indivíduo, a sociedade e o Estado, e outros ensaios. "A mesma coisa se poderia dizer de todas as formas de ditadura, opressão e coerção, pois o que é a civilização? Todo progresso foi essencialmente marcado pela extensão das liberdades do indivíduo em detrimento da autoridade exterior, tanto no que concerne à sua existência física quanto à política ou econômica".
Florbela Espanca - Poesia de Florbela Espanca -
A Minha Dor
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal …
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias …
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve … ninguém vê … ninguém …
Lionel Shriver - Precisamos falar sobre Kevin - "Mas ainda faltam dez anos, e são dias demais. Os anos eu consigo encarar, Eva, mas os dias, não."
Márcia Denser - Tango Fantasma - "E tudo isso quer dizer literatura: a requintada crueldade de poder observar atentamente as próprias vísceras expostas refletidas no espelho e imaginando não ser as nossas, como se este refletisse toda humanidade agora - a desumanidade estará dentro de nós, como o olho cego da câmera fotográfica, as lâminas frias da cortina que fecha e abre a objetiva, o vidro da lente, inopinadamente a sangrar, a sangrar, amigos, a sangrar, o fluxo maldito chamado literatura, a sangrar...".
Nise da Silveira - Jung vida e obra - "Considerado uma das melhores introduções ao pensamento junguiano, o livro, escrito pela renomada psiquiatra brasileira e aluna de Jung, Nise da Silveira, facilita o acesso à obra de Jung por meio de uma escrita clara e acessível ao leitor não especializado. A publicação traz, além de dados sobre a vida do psicanalista, um levantamento para a compreensão de sua obra".
Patrícia Duncker - Alucinando Foucalt - "Você capta a matéria da história, eu capto a substância crua do sentimento"
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