É um alvo fácil para piadas. No
entanto, rir do hipster é só uma forma diluída de sua própria aflição. Ele não
é mais que um sintoma e uma das manifestações mais extremas do estilo de vida
irônico. Para muitos americanos nascidos nas décadas de 1980 e 1990 – membros
da Geração Y –, caucasianos de classe média em particular, a ironia é o modo
primário para se lidar com a vida. Basta habitar um espaço público, virtual ou
concreto, para ver o quanto esse fenômeno se encontra disseminado. A
publicidade, a política, a moda, a televisão: quase todas as categorias da realidade
contemporânea exibem essa vontade de ironia.
Tomemos como exemplo uma
propaganda que se anuncia como propaganda, faz piada com o próprio formato e
tenta atrair seu público-alvo para rir dela e com ela. Ela já reconhece,
preventivamente, o próprio fracasso em produzir algo com sentido. Nenhum ataque
pode ser feito contra ela, pois ela própria já se mostrou vencida. O molde
irônico funciona como um escudo contra a crítica. O mesmo vale para o estilo de
vida irônico. A ironia é o modo mais autodefensivo que existe, pois permite que
a pessoa evite a responsabilidade das suas escolhas, estéticas ou não. Viver
ironicamente é esconder-se em público. É uma forma, flagrantemente indireta, de
subterfúgio – que significa etimologicamente “fugir em segredo” (subter +
fúgio). De algum modo, tornou-se insuportável, para nós, lidar com as coisas de
maneira direta.
Como isso aconteceu? Em parte, a
situação deriva da crença de que essa geração tem pouco a oferecer em termos de
cultura, de que tudo já foi feito, ou de que um compromisso sério com qualquer
crença acabará substituído por uma crença oposta – de maneira que o compromisso
inicial vire risível, na melhor das hipóteses, ou desprezível, na pior. Esse
estilo de vida irônico funciona como uma desistência preventiva e assume a
forma de reação, em vez de ação.
A vida na era da internet sem
dúvida colaborou para que uma sensibilidade irônica florescesse. Nesse meio, um
éthos pode ser disseminado de modo rápido e amplo. Nossa incapacidade de lidar
com o que temos à mão é evidente em nosso uso de tecnologia digital e em nossa
dependência cada vez maior dela. Ao priorizarmos o remoto em vez do imediato, o
virtual sobre o real, somos absorvidos nas esferas pública e privada por
aparelhinhos que nos levam a outros lugares.
Além disso, os ciclos de
nostalgia tornaram-se tão curtos que tentamos até mesmo injetar o momento
presente com sentimentalismo quando usamos, por exemplo, certos filtros
digitais para deixar as fotos com um aspecto “apagado”, uma aura de
historicidade. A nostalgia exige tempo. Não se pode acelerar o processo que dá
sentido às lembranças.
Embora tenhamos adquirido novas
habilidades (lidar com mais de uma tarefa ao mesmo tempo, conhecimento
tecnológico), elas vieram às custas de outras habilidades: a arte da
conversação, a arte de olhar para as pessoas, a arte de ser visto, a arte de
estar presente. Nossa conduta não é mais governada pela sutileza, finesse,
graça e atenção, todas essas qualidades que as décadas passadas prezavam mais
que agora. Predominam, no momento, a introversão e o narcisismo.
Nasci em 1977, no final da
Geração X, e tornei-me adulta nos anos 1990, uma década que, perfeitamente
encaixada entre duas ruínas arquitetônicas – do Muro de Berlim em 1989 e das
Torres Gêmeas em 2001 – parece agora ser relativamente sem ironia. O movimento
grunge falava sério quanto à sua estética e atitude, com uma postura hostil à
autoridade, semelhante à do movimento punk. Em minhas lembranças, que talvez
sejam nostálgicas demais, o feminismo chegava a um ápice sem precedentes, as
preocupações do ambientalismo ganhavam atenção mundial, e as questões de raça
agora eram tratadas de modo mais aberto: todos esses movimentos continham em si
as mesmas eletricidade e euforia que tocam as gerações quando testemunham uma
mudança secular ou milenar.
Mas o ano 2000 veio e partiu sem
nenhum desastre. Tínhamos esperança durante a década de 1990, mas a esperança é
uma emoção muito vulnerável; precisávamos de um mecanismo de autodefesa, algo
que toda geração tem. Para a Geração X, esse mecanismo assumia a forma de uma
apatia diligente, o esforço ativo de não dar a mínima. Nosso arquétipo era o
vagabundo que passava pela vida com preguiça, vestido de roupas de flanela,
sozinho e incompreendido em seu quarto. E, quando nos entediávamos com a
apatia, sentíamos uma raiva ou melancolia vaga, comendo antidepressivos como se
fossem doces.
A partir desse ponto privilegiado
de referência, um grupinho irônico parece ser confortável demais, desmiolado
demais e complacente demais. O estilo de vida irônico é um problema de primeiro
mundo. Para quem tem uma formação relativamente boa e segurança financeira, a
ironia funciona como um tipo de cartão de crédito cuja conta nunca precisa ser
paga. Em outras palavras, o hipster pode fazer investimentos frívolos em falso
capital social sem precisar pagar de volta um único centavo sincero. Ele não é
dono de nada do que possui.
É óbvio que os e as hipsters
produzem uma irritação distinta em mim, uma que, até muito recentemente, eu não
sabia explicar. Eles me provocam, porque são, como vim a perceber, uma versão
amplificada de mim, apesar da distância com que os observo.
Eu também exibo tendências
irônicas. Uma das dificuldades que tenho, por exemplo, é a de dar presentes
sinceros. Em vez disso, dou o que no passado só seria aceito em “inimigos
secretos”: uma pintura kitsch de alguma lojinha, uma caneca de café com imagens
espalhafatosas do Texas, bonecos de plástico de luchadores mexicanos. Presentes
bons para dar risada na hora, mas que valem pouco a longo prazo. Existe algo na
responsabilidade de escolher um presente pessoal e significativo para um amigo
que faz com que esse ato seja íntimo demais, importante demais. De certo modo,
não consigo suportar a possibilidade de que um amigo não goste de um presente
que eu tenha escolhido com sinceridade. O simples ato de perceber esse meu
comportamento autodefensivo me fez pensar profundamente sobre o quanto esse
posicionamento irônico podia ser potencialmente tóxico.
Em primeiro lugar, ele marca uma
aversão profunda ao risco. Como resultado do medo e da vergonha preventiva, a
vida irônica revela um amortecimento, uma resignação e uma derrota culturais.
Se a vida tornou-se um mero apanhado de objetos kitsch, uma série infinita de
piadas sarcásticas e referências à cultura pop, uma competição para ver quem
consegue ser mais apático (ou, pelo menos, um espetáculo dessa competição),
parece que, coletivamente, demos um passo em falso. Será que essa é a causa de
nosso vazio e mal-estar existenciais? Ou seria um sintoma?
Ao longo da história, a ironia já
serviu a propósitos úteis, como fornecer uma vazão retórica a tensões sociais
de que não se falava. Mas nosso modo irônico contemporâneo é, de algum modo,
mais profundo; ele já vazou do reino da retórica para o da própria vida. O
éthos irônico pode levar a uma vacuidade e uma insipidez da psique individual e
coletiva. Historicamente, os vácuos acabam preenchidos por alguma coisa – e,
com muita frequência, alguma coisa perigosa. Fundamentalistas nunca são
irônicos; ditadores nunca são irônicos; as pessoas que mexem com coisas na
esfera política, independentemente dos lados que escolhem, nunca são irônicas.
Onde podemos encontrar exemplos
da vida não irônica? Como ela é? Modelos não irônicos incluem crianças muito
novas, pessoas de mais idade, pessoas muito religiosas, pessoas com sérias
deficiências físicas ou mentais, pessoas que sofreram, e as que moram em
lugares econômica ou politicamente complicados, onde a seriedade é o estado de
espírito governante. Meu amigo Robert Pogue Harrison, numa conversa recente que
tivemos, falou desse modo: “Sempre que o real se impõe, ele tende a dissipar a
neblina da ironia”.
Observe uma criança de quatro
anos de idade em sua vida cotidiana. Você não verá a menor indicação de ironia
em seu comportamento. Ela ainda não assumiu, por assim dizer, o véu da ironia.
Ela gosta do que gosta e declara seus gostos sem dissimulação. Não está
particularmente consciente dos juízos dos outros. Não se esconde por trás de
uma linguagem indireta. Os modelos mais puros da vida não irônica, no entanto,
encontram-se na natureza: os animais e plantas são isentos de ironia, que
existe somente onde habita o humano.
O que significaria vencer o
empuxo cultural da ironia? Afastar-se do irônico representa dizer o que se
pensa, pensar o que se diz e considerar a seriedade e a declaração direta como
possibilidades expressivas, apesar dos riscos inerentes. Significa assumir o
cultivo da sinceridade, da humildade e do autoapagamento, rebaixando o frívolo
e o kitsch em nossa escala coletiva de valores. E pode incluir também fazer um
inventário honesto de si próprio.
Começa assim: dê uma olhada ao
seu redor, em casa. Você se vê cercado de coisas de que gosta mesmo ou coisas
de que gosta só porque são absurdas? Ouça o que você diz. Pergunte a si mesmo:
Eu me comunico essencialmente por piadas internas e referências à cultura pop?
Que porcentagem das coisas que falo tem sentido? O quanto me valho de linguagem
hiperbólica? Eu me faço de indiferente? Olhe suas roupas. Quanto do seu
guarda-roupa poderia ser descrito como peças de fantasia, derivativas ou
reminiscentes de algum arquétipo de estilo específico (a secretária, o mendigo,
a coquette, ou você quando era criança)? Em outras palavras, suas roupas fazem
referência a alguma outra coisa, ou só a si próprias? Você tenta
deliberadamente parecer nerd, estranho ou feio? Em outras palavras, o seu
estilo é um antiestilo? A pergunta mais importante: como você se sentiria se
sofresse uma mudança interna, em silêncio, off-line e sem que os outros vissem?
Ao longo das últimas décadas,
vimos algumas tentativas de banir a ironia. Os movimentos, nas artes, do que é
definido de modo frouxo como Nova Sinceridade vêm brotando desde que os anos
1980 se posicionaram como uma resposta ao cinismo, ao afastamento e à
meta-referencialidade do pós-moderno (a Nova Sinceridade vem sendo associada
recentemente aos livros de David Foster Wallace, aos filmes de Wes Anderson e à
música de Cat Power). Mas nenhuma dessas tentativas vingou, como comprova a nova
era da Ironia Profunda.
O que as futuras gerações farão
com esse sarcasmo feroz e com o cultivo descarado da besteira? Será que
ficaremos satisfeitos em deixar um arquivo cheio de vídeos de pessoas fazendo
coisas idiotas? Será que um legado irônico é, de fato, um legado?
Com certeza, a vida irônica é uma
resposta provisória aos problemas do excesso de conforto, do excesso de
história e do excesso de opções, mas minha convicção firme é a de que esse
estilo de vida não é viável, e oculta em si muitos riscos sociais e políticos.
Deixar que um amplo segmento da população anule sua voz cívica, por meio do
padrão de negação que descrevi, é sugar as reservas culturais da comunidade
como um todo. As pessoas podem escolher continuar a se esconder atrás do véu da
ironia, mas essa escolha significa render-se às entidades comerciais e
políticas que ficarão mais que satisfeitas em assumir o papel de pais para
cidadãos autoinfantilizados. Por isso, em vez de rir do hipster – um hobbie
favorito, especialmente entre os hipsters –, tente determinar se as cinzas da
ironia não se assentaram sobre você também. É preciso algum esforço para
espaná-las.
Tradução de Adriano Scandolara
Christy Wampole é
professora-assistente de língua francesa na Princeton University. Sua pesquisa tem
como principal foco a literatura e o pensamento francês e italiano dos séculos
20 e 21. “How to Live Without Irony” foi publicado originalmente no blog
Opinator, do The New York Times, dia 27 de novembro de 2012.
Fonte: Revista Serrote.
Muito legal esse texto, é verdade que venho notado ironia em tudo ao meu redor e inclusive em mim mesmo
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