sexta-feira, 23 de maio de 2014

Sobre a esquerda das esquerdas

Reposto um texto muito interessante escrito por João Bernardo e publicado no sítio do Passa Palavra. Originalmente ele foi publicado em quatro partes, aqui seguem todas juntas. É um texto longo, mas faz uma interessante reflexão sobre a esquerda. Neste blogue você também encontra um texto, mesmo que distinto deste, mas com temática semelhante relacionado à música. Você pode lê-lo aqui.

Por que motivo continua a chamar-se esquerda àquela que hoje existe com este nome?
I

As grandes derrotas que temos sofrido não se deveram principalmente aos ataques vindos de fora, aos inimigos explícitos, mas sobretudo ao inimigo insidioso, gerado pelo desenvolvimento das contradições internas da esquerda. Por isso a crítica da esquerda pela esquerda é pelo menos tão urgente como a crítica da direita pela esquerda.
Reina na esquerda um conformismo que garante o conforto mental, enquanto a grande preocupação deveria ser o estudo das causas das derrotas.

O capitalismo goza hoje de uma indisputada hegemonia.
Por todo o mundo, a esquerda governamental perdeu a identidade e nada de significativo a diferencia da direita. Abandonando quaisquer transformações económicas substanciais e restringindo-se nesse campo aos paliativos, a esquerda governamental concentrou-se nas questões de costumes, mas mesmo aí deixa a desejar. Numa época recente ela ainda se singularizava por adoptar uma certa latitude moral, enquanto a direita era moralmente restritiva. Agora já nem isto sucede. Ao confundir-se com o politicamente correcto, a esquerda começou a pautar os comportamentos por normas muito mais estritas do que aquelas que o conservadorismo impõe. Até a defesa do direito ao aborto esqueceu a sua justificação originária, decorrente da má situação económica das mães que pretendiam recorrer a essa prática, e, pior ainda, em vez de assinalar uma progressão das fronteiras da imoralidade, invoca os argumentos da nova moral do exclusivismo feminino. Especialmente perversa, tanto nos pressupostos como nos resultados, é a institucionalização do casamento entre homossexuais, já que aplica o padrão tradicional dos casais heterossexuais e reprodutores àqueles de quem se poderia esperar que rompessem com esse formato moral.
A mesma perda de identidade atingiu a esquerda exterior às instituições estatais, que passou a repetir e desenvolver temas gerados na transição do século XVIII para o século XIX pela extrema-direita anticapitalista, conservadora ou radical. Nesta deslocação de sentidos e de referências, a esquerda exterior às instituições estatais, que em várias épocas constituiu uma efectiva ameaça, não passa agora de uma irrelevância. Exceptuando em alguns — poucos — países da Europa ocidental e da América Latina, esta esquerda tem sido ignorada nas principais lutas sociais dos últimos anos.
Por que motivo, aliás, continua a chamar-se esquerda àquela que hoje existe com este nome?

Está em curso uma profunda transformação orgânica da classe trabalhadora, resultante da convergência de seis processos.
a. A mundialização da classe trabalhadora praticamente extinguiu os sistemas pré-capitalistas e se antes tínhamos formações económico-sociais constituídas por vários sistemas sob a hegemonia do modo de produção capitalista, temos hoje um só modo de produção capitalista com variantes internas. Ora, por um lado este processo foi correctamente entendido como uma globalização, mas por outro lado deu origem à falsa noção de que o capitalismo estaria a dissolver-se numa multiplicidade de formas.
b. A redução de todos os tipos de exploração ao sistema de exploração capitalista ocorreu muito mais rapidamente no plano económico do que no plano cultural, em que persistem tradições herdadas de sistemas pré-capitalistas entretanto assimilados pelo capitalismo. Assim, uma parte considerável dos trabalhadores pensa em quadros ideológicos que já não correspondem à sua base socioeconómica. Trata-se de uma falsa consciência resultante de um desfasamento temporal.
c. O capital está transnacionalizado, mas o mesmo não sucede com o mercado de trabalho, sujeito a barreiras nacionais ou regionais e onde se erguem obstáculos à migração. Ao contrário do que fora previsto pelos socialistas do século XIX, não foi o proletariado mas os capitalistas quem se internacionalizou e, perante o grande capital unificado mundialmente, os trabalhadores apresentam-se fragmentados. A esta situação de inferioridade corresponde uma falsa consciência, estando os trabalhadores divididos entre uma aspiração de globalização e as pressões do nacionalismo. O nacionalismo hoje difundido na esquerda é a expressão dessa falsa consciência. E este nacionalismo tornar-se-á tanto mais estridente quanto mais se confinar ao plano ideológico e cultural, tentando compensar assim a ausência de um substrato económico.
d. As profissões liberais extinguiram-se devido à proletarização dos seus processos de trabalho, que passaram a obedecer à padronização e a uma avaliação estritamente quantitativa. Por este motivo, a maior parte dos antigos profissionais liberais converteu-se em trabalhadores proletarizados e os restantes, uma pequena minoria, converteram-se em gestores. Porém, a maioria dos antigos profissionais liberais convertidos em trabalhadores, em vez de assumir a consciência deste processo, pelo contrário, reage contra ele mediante uma falsa consciência que implica um comportamento elitista relativamente aos trabalhadores assumidos como tais.
e. O sistema de relações de trabalho geralmente denominado pós-fordismo ou toyotismo recorre à terceirização extensiva, de modo que uma parte considerável da força de trabalho é apresentada no plano jurídico como profissionais independentes quando na realidade socioeconómica se trata de um assalariamento precário. Gerou-se assim uma cisão entre a consciência social dos trabalhadores precários e a dos trabalhadores integrados num assalariamento formal e de longo prazo.
f. A produção de bens imateriais desenvolve-se cada vez mais. Ora, apesar de o capitalismo ter sempre incluído serviços e de as relações de exploração se definirem em termos de tempo de trabalho e não de fabrico de objectos palpáveis, divulgou-se a noção de que a diminuição da percentagem dos trabalhadores encarregues de fabricos materiais corresponderia a um declínio da própria classe trabalhadora, o que implica que os produtores de bens imateriais sejam concebidos como exteriores à classe trabalhadora.
A convergência destes processos leva uma grande parte dos trabalhadores, ao mesmo tempo que perde a noção antiquada da classe, a não adquirir uma noção modernizada e pertinente. Enquanto a classe trabalhadora atravessa uma profunda transformação orgânica, que está longe de chegar ao seu termo, as ideologias hegemónicas na esquerda actual reflectem esta transformação em modalidades de falsa consciência. Generalizaram-se noções vagas e especulativas, a futilidade, a cisão entre o cultural e o fundamento socioeconómico e o distanciamento relativamente à economia, que é deixada ao bel-prazer dos tecnocratas. Este misto de ambiguidade e de falsa consciência reflecte-se nos intelectuais profissionais da esquerda mediante a ideia difusa de que o capitalismo actual dispensaria a classe trabalhadora. Houve épocas em que alguns intelectuais contribuíram decisivamente para a formação e a generalização de uma consciência de classe trabalhadora, mas sucede hoje o contrário e a nova consciência de classe, quando ressurgir, virá da multiplicidade de elaborações silenciosas, resultantes de uma acumulação de pequenas e grandes lutas e alheias ao discurso intelectual.

Uma teoria revolucionária não é apenas uma teoria que revoluciona o panorama intelectual. No que diz respeito à sociedade, é também uma teoria da revolução. Não existe actualmente teoria social revolucionária, em nenhum destes dois sentidos.
a. O marxismo pereceu devido a duas implosões sucessivas: uma resultou da burocratização da revolução russa e do estabelecimento do regime soviético como capitalismo de Estado e a outra deveu-se à extinção dos regimes de tipo soviético e à sua fragmentação geopolítica.
b. O anarquismo pereceu em virtude de um duplo processo, repetido ao longo do tempo: a dissolução que o atinge quando se confunde com uma liberdade indeterminada ou com um naturismo primitivista e o congelamento que o imobiliza num museu de relíquias veneradas e indiscutidas.
Aquilo que hoje sobra de ambas as correntes restringe-se a alguns meios universitários, onde se limita a constituir um objecto de estudo e a alimentar os currículos. Nem contribui para revolucionar o meio intelectual nem para inspirar uma teoria da revolução.

Não valeria a pena perder tempo aqui com a velha esquerda composta pelos saudosistas do capitalismo de Estado, viúva do regime soviético aguardando que a deitem ao lado do defunto, não fosse o facto de o capitalismo de Estado ter continuado a ser um atractivo, mas agora em sistemas mistos que não excluem o recurso a outras modalidades de inter-relacionamento das empresas.
Desde a sua origem, antes ainda da génese do marxismo, que na esquerda existe um acentuado pendor para o estatismo. Não se trata para essa esquerda de alterar as relações sociais de trabalho, mas de concentrar no Estado os principais mecanismos de decisão económica. Esta é a esquerda que corresponde exclusivamente aos interesses da classe dos gestores, cujo acesso ao capital passa pelo exercício de funções administrativas e não pela detenção de propriedades.
Os gestores podem ascender tanto no aparelho tecnoburocrático das grandes empresas como no aparelho tecnoburocrático do Estado. Todavia, as grandes empresas são muito exigentes nos seus critérios de selecção, que passam pela avaliação dos currículos e por entrevistas, intermediadas nas esferas superiores por firmas especializadas em recrutamento. É certo que há uma circulação entre os quadros administrativos das grandes empresas e a administração estatal, mas apenas enquanto assessores ou ministros técnicos, porque o acesso aos postos elegíveis obtém-se graças a clientelas partidárias ou simples compadrios. Ora, como não se trata aqui de convicções mas de oportunidades, pode ser conveniente usar com fins eleitorais um rótulo de esquerda, devido ao seu apelo populista. Esta diferença nos processos de escolha explica que os gestores candidatos eleitorais em listas de esquerda sejam muito menos competentes do que os seleccionados por recrutamento, o que leva a militância partidária na esquerda estatista a atrair sobretudo a tecnoburocracia de segunda e terceira ordens.
A armadura jurídica do capitalismo pode assim ser discutida pela esquerda no aparelho de Estado e eventualmente remodelada, enquanto nas empresas as relações capitalistas de trabalho se mantêm ou são mesmo reforçadas. Já na União Soviética o apreço pelo taylorismo fora levado a um grau extremo, a tal ponto que foi aí, durante os planos quinquenais, e não nos Estados Unidos, que se realizaram as maiores experiências fordistas. A situação não mudou e para esta porção da esquerda socialismo continua a significar ampliação do poder de decisão económica do Estado, ficando completamente posto de lado o problema das relações sociais de trabalho. É um socialismo de gestores, não de trabalhadores.

Existe uma subespécie de eternos candidatos a gestores que têm como programa a ocupação do poder de Estado, mas com ilusões tais que nunca podem ser satisfeitas. Distinguem-se dos outros não pelos objectivos últimos, que em ambos os casos é a estatização da economia, mas pela ausência de noções práticas quanto ao caminho a percorrer. E como a sua vocação para o fracasso os leva a imaginarem-se revolucionários, consideram que é o sucesso eleitoral que classifica os outros como reformistas. Na verdade, trata-se de uma esquerda governamental in partibus, que só parece exterior às instituições estatais porque não consegue inserir-se nelas.
Nem conseguirá porque julga que o capitalismo perdeu as potencialidades de crescimento e o dinamismo interno. Esta esquerda é incapaz de se dar conta do aprofundamento do sistema de exploração e das novas formas de concentração económica que garantem ao capitalismo o aumento da produtividade e dos lucros e uma grande capacidade de absorção dos conflitos sociais. Embora invoque sempre referências marxistas, a sua compreensão nunca foi além da mais-valia absoluta. Os mecanismos da mais-valia relativa e da renovação das classes dominantes mantêm-se para ela envoltos em mistério.
O facto de arrastar uma história composta toda de fracassos não desanima esta esquerda, que se ocupa exclusivamente em dar lições aos governantes e aos patrões sobre a maneira de gerir o Estado e a economia e em profetizar o fim iminente do capitalismo. É estranho que não se dê conta de que traça assim uma distância crescente entre a sobranceria apocalíptica com que se refere ao capitalismo e a desconsolada mediocridade a que se confina. Qualquer teoria da revolução ficaria sem sentido se a crise do capitalismo não correspondesse à ascensão dos revolucionários e se a crise em que os revolucionários se encontram não indicasse a hegemonia do capitalismo.
Tudo isto seria trágico se fosse grandioso, mas como ocorre em esferas diminutas é só ridículo.

O pós-modernismo deve ser visto como a inversão da última das Teses sobre Feurbach.
II

Existe outra esquerda, que hoje tem o ascendente e se define como pós-moderna.
O pós-modernismo generalizou a noção de narrativa. A realidade é assimilada pelo discurso sobre a realidade. O que passa a ter importância é o controlo sobre o discurso, substituindo a acção sobre o real. Esta concepção tem a sua expressão prática — ou, mais exactamente, de negação da prática — na redução da política às redes sociais, enquanto disputa de narrativas.
O enclausuramento no quadro virtual lança raízes muito antes do aparecimento da internet. Os chefes fascistas concebiam a política como uma encenação e Salazar falou por todos eles ao pretender que «politicamente, só existe o que o público sabe que existe» e que «politicamente tudo o que parece é». Do outro lado da barricada, George Orwell preocupou-se, tanto no Homage to Catalonia como em vários artigos, com a possibilidade de uma vitória absoluta do franquismo entronizar como verdadeira a ficção de que o levantamento dos generais se fizera porque os soviéticos estariam a enviar tropas para Espanha. Assim, deduziu Orwell, um triunfo político poderia tornar verdadeiro um facto falso. É nesta perspectiva da realidade virtual que devemos interpretar o newspeak do Nineteen Eighty-Four, a matriz do politicamente correcto. Do mesmo modo, Gore Vidal, no final do Empire, imaginou Hearst, num encontro com Theodore Roosevelt, a vangloriar-se de que, se com os seus jornais inventava o país e o país acabava por ser tal como o inventara, então não precisaria de tomar o poder político, porque ele mesmo criaria a imagem daqueles que seriam eleitos.
Esta noção de narrativa adquiriu com o pós-modernismo um estatuto de fundamento epistemológico. Negando pertinência à avaliação da distância entre a realidade e uma narrativa da realidade e pensando que a realidade é um constructo, reduz-se a realidade, ou pelo menos a realidade perceptível, ao discurso sobre a realidade. Mas a realidade pode desenvolver-se de maneira oposta à narrativa, que fica então convertida numa falsa consciência. Esta discrepância é tão antiga como a história da humanidade e prova-se materialmente em sítios arqueológicos onde a reconstrução da vida quotidiana difere da sua representação nas pinturas murais ou nos relevos, assim como decorações figurativas em vasos de cerâmica puderam sofrer transformações que não indicam nenhuma alteração correspondente nos costumes. Do mesmo modo, as grandes gestas heróicas que alguns povos durante séculos consideraram como espelhos da sua história narram feitos e situações que jamais ocorreram. Ora, o facto de aqueles povos não só aceitarem a pertinência de tais representações mas até se mirarem a si próprios com esses olhos não impediu que a realidade social e a realidade material obedecessem a outras leis e se transformassem segundo outra dinâmica. O maior interesse de cada narrativa reside na distância que a separa, ou não a separa, da realidade. A narrativa válida é aquela que toma essa distância como objecto de reflexão.
Ou então, é válida também a narrativa feita para dentro, sem expressão pública. Não são apenas os achados arqueológicos e a épica arcaica a mostrar que a vida prática podia não corresponder às narrativas plásticas. Quando se dispõe de documentação, a análise dos regimes modernos com uma censura mais rigorosa, quer os fascismos quer o stalinismo, revela que, apesar dos receios de Orwell, a vida quotidiana não era absorvida pela narrativa oficial. Dois celebrados chefes do fascismo de massas perceberam este risco. «Para dirigir as massas tenho de arrancá-las à apatia», explicou Hitler. «As massas só se deixam conduzir quando estão fanatizadas. Apáticas e amorfas, as massas representam o maior dos perigos para qualquer comunidade política. A apatia constitui uma das formas de defesa das massas. É um refúgio provisório, um entorpecimento de forças que de súbito explodirão em acções e reacções inesperadas». Outro irrefreável demagogo, Juan Perón, tentou explicar aos patrões reunidos na Bolsa do Comércio de Buenos Aires em Agosto de 1944 que «a massa mais perigosa é a massa inorgânica. A experiência moderna demonstra que as massas operárias melhor organizadas são, sem dúvida, as que podem ser dirigidas e melhor conduzidas em todos os domínios». Estes dois chefes do fascismo mostraram-se bastante mais cépticos do que os pós-modernistas quanto à possibilidade de assegurar o controlo básico da realidade mediante o controlo no plano da narrativa. Teve razão Karl Jaspers quando, depois da guerra, classificou «o silêncio» como «o último recurso de quem se encontra reduzido à impotência» e adiantou que «se dissimula o silêncio para reflectir na maneira como se poderia restabelecer a situação».
A apatia política actual e o aparente desinteresse, que muitos consideram como uma postura alienada, talvez revele, pelo contrário, a fuga do plano das narrativas públicas e a passagem para outro plano mais fundamental, para o qual a esquerda pós-moderna se encontra — felizmente — despreparada.

O pós-modernismo exige a conversão do newspeak em politicamente correcto porque o seu apêndice multiculturalista constitui uma colossal hipocrisia, que para se disfarçar requer o puritanismo da linguagem.
a. Os multiculturalistas esquecem, ou pretendem fazer esquecer, que as culturas e identidades étnicas foram, todas elas, originariamente exclusivistas e cada uma nasceu da assimilação e liquidação de outras anteriores.
Essa situação não se alterou. Os multiculturalistas passam por cima da questão fundamental, a do necessário antagonismo entre umas e outras identidades e umas e outras culturas. Nem o verniz do politicamente correcto consegue disfarçar o carácter inconciliável de culturas ou identidades que o multiculturalismo apresenta como igualmente respeitáveis, por exemplo a homossexualidade masculina e as culturas populares, que em muitos casos incluem um componente de homofobia. Mais drasticamente ainda, a hostilidade manifestada contra os homossexuais por culturas tradicionais da África reflecte-se na legislação repressiva adoptada por alguns governos africanos. Como harmonizar a apologia do movimento negro e a apologia do movimento gay? O multiculturalismo não consegue também dar conta do choque entre o feminismo, por um lado, e, por outro, identidades enaltecidas por se apresentarem como antieurocêntricas, nomeadamente o islamismo e numerosas culturas tradicionais. Não falta quem seja activamente feminista na universidade que frequenta mas aceite sem tugir nem mugir a subserviência tradicional das mulheres em povos índios. O que os multiculturalistas pretendem apresentar como um necessário mosaico de identidades e culturas é, na prática, um indispensável choque de identidades e culturas.
b. Nesta perspectiva, as denúncias de eurocentrismo são uma falsidade e um anacronismo. Em primeiro lugar, são uma falsidade porque as raízes greco-romanas da cultura ocidental nunca foram europeias mas fundamentalmente mediterrânicas, localizadas tanto no sul da Europa como na Anatólia, no Levante e no norte da África, e estendendo-se depois mais longe a oriente na época helenística e no auge do império romano. A cultura greco-romana resultou de uma fusão de todas estas proveniências. Em segundo lugar, o presumido eurocentrismo é um anacronismo porque no século XIX o capitalismo assimilou e extinguiu a diversidade de culturas distintas existentes no continente europeu para formar uma nova cultura única, que nunca foi exclusivamente europeia.
Ao longo da história, só o capitalismo se mostrou capaz de admitir a multiplicidade de origens culturais como um factor constitutivo permanente. O teste decisivo consiste na formação das vanguardas artísticas, que são a ponta de lança da cultura. Ao mesmo tempo que estas vanguardas foram influenciadas pelos novos meios técnicos e aprenderam a usá-los, especialmente a fotografia e os efeitos da velocidade, assimilaram também as lições estéticas provenientes de outras culturas. Não se tratou de influências superficiais nem de modas, mas de uma contribuição que implicou alterações de estrutura. Na segunda metade do século XIX os pintores europeus começaram a interessar-se pela arte japonesa, nomeadamente o colorido e o tipo de perspectiva, que deixaram fortes traços nos impressionistas e em alguns pós-impressionistas. Em seguida, desde a primeira década do século XX, com os cubistas e os expressionistas, incluindo o equivalente parisiense do expressionismo, foi avassaladora a influência das esculturas e das máscaras africanas, tanto na organização dos planos como na inversão da noção de espaço vazio e cheio na escultura. Mesmo os construtivistas, cuja linguagem estética emanou directamente das técnicas industriais, fundiram-na com a disposição de planos característica das máscaras africanas. Ao mesmo tempo, um jovem escultor francês radicado em Londres aprendeu também a lição sintética da escultura maya, enquanto um pouco mais tarde certa pintura abstracta gerada no funcionalismo construtivista incorporou igualmente a lição mesoamericana. Só a pintura aborígene australiana foi assimilada tardiamente, já quando o século XX ia adiantado. Todas estas lições passaram a fazer parte integrante de uma arte moderna que não deve definir-se por qualquer localização geográfica mas apenas pela situação temporal, a arte universal da sociedade global em que vivemos. Não foi uma cultura europeia que se expandiu, foi uma pluralidade de culturas de origem diversa que se fundiu para criar a cultura mundial da nossa época.
Para mais, note-se que esta miscigenação impulsionadora da nova cultura capitalista não ocorreu nas colónias ou nos espaços colonizados, onde os colonos sempre se revelaram exclusivistas, por uma necessária afirmação de identidade num meio em que constituíam uma reduzida minoria. Foi nas metrópoles que se gerou e desenvolveu a cultura capitalista mundialmente integradora; e mais tarde, à medida que o capitalismo se expandiu, as populações colonizadas absorveram de volta aquela cultura e deram-lhe novos desenvolvimentos, conjugando a irradiação das metrópoles com as iniciativas locais. A formação dos modernismos na América Latina é um bom exemplo deste vaivém fecundo.
c. O tipo de feminismo que hoje está na moda confunde as oposições de classe sob o pretexto da identidade biológica. Dando à noção de patriarcal uma extensão refutada pelo estudo das diferentes estruturas familiares ao longo da história e, em cada sociedade, nos vários estratos sociais, esse feminismo em voga recusa ou secundariza a noção de modo de produção e combate o projecto de uma cultura unificada de classe.
De maneira equivalente, o movimento negro esconde as clivagens sociais e políticas existentes entre os negros, ou pelo menos tenta atenuá-las, projectando para um plano supranacional os piores efeitos do nacionalismo. O movimento negro serve agora de legitimação ideológica à ascensão de novas elites, tal como a négritude serviu, há várias décadas atrás, para legitimar a ascensão da nova elite política nas antigas colónias francesas. No dia em que surja um movimento negro que critique a formação de elites negras e as relações de desigualdade e exploração entre negros com a mesma veemência com que critica o racismo antinegro, então esse movimento passará a fazer parte constitutiva do processo geral de renovação da classe trabalhadora.
Mas esse dia ainda não chegou, e a tal ponto o politicamente correcto habituou a esquerda actual a confinar-se ao mundo do vocabulário, que evoca um «feminismo de classe» ou um «movimento étnico de classe», como se bastasse a junção dos nomes para ser possível efectuar na prática a articulação de realidades sociais antagónicas. É o pensamento mágico transportado para o plano da política.
Tudo somado, os multiculturalistas propõem-se preservar apenas identidades e culturas já estabelecidas e recusam a priori uma cultura em processo de construção, a de uma classe trabalhadora mundial e unificada. Eles conseguem fazer pouco ou quase nada, mas conseguem impedir muito. É esta a sua utilidade histórica para o capitalismo actual. O multiculturalismo é o sucedâneo do nacionalismo na época da globalização.
d. Uma renovada identidade da classe trabalhadora, que leve em conta a pluralidade de origens culturais, de preferências sexuais e de características étnicas, não corresponde a adoptar o multiculturalismo no âmbito dos confrontos entre classes sociais. Trata-se de combater o multiculturalismo, tomando as mesmas matérias-primas culturais que ele pretende congelar no estado actual e na fragmentação geográfica, e construir com elas algo de muito diferente ou oposto, uma realidade nova e mundialmente integradora. É a luta do futuro contra a conversão do presente num mosaico de tradições.

O pós-modernismo deve ser visto como a inversão da última das Teses sobre Feurbach. Transformar o mundo é considerado pelo pós-modernismo como um projecto totalitário e centrado no sujeito — para mais um sujeito histórico — que quer modelar tudo à sua imagem. Mesmo interpretar o mundo é considerado perigoso, já que poderá ter algum efeito sobre a prática. A grande narrativa é odiada e substituída pela proliferação de narrativas multifacetadas.
A única visão do mundo que o pós-modernismo admite é fragmentada e descritiva, o que garante que seja inócua. Sendo descritiva, passa-se da interpretação para a transposição, imunizando o objecto de sofrer qualquer interferência do sujeito e, portanto, deixando-o sem modificação. E, sendo fragmentada, não se corre o risco de um discurso global, que inspire um projecto global também, tido por isso como totalitário. Ora, só um projecto global pode opor-se à globalidade do existente.

Sem a ambição de transformar o mundo fica votada ao fracasso a busca de uma acção revolucionária. A última das Teses sobre Feuerbach é uma apologia da razão instrumental. Ora, a recusa da razão instrumental é o cerne e o resumo do pós-modernismo.
A negação da razão instrumental nasceu na extrema-direita germânica na transição do século XVIII para o século XIX, caracterizou a extrema-direita europeia ao longo do século XIX e das primeiras décadas do século XX e foi transportada para a esquerda pela Escola de Frankfurt, especialmente pela crítica de Adorno e Horkheimer ao Iluminismo. A negação da razão instrumental é o fundamento do pós-modernismo, que se opõe a ultrapassar a filosofia rumo a uma transformação do mundo.
Permeando todo o espectro político e convertida num lugar-comum dos nossos dias, a negação da razão instrumental serve para legitimar a barbárie ecologista, que pretende regressar a tecnologias e níveis de produtividade pré-capitalistas, e constitui o fundamento filosófico de uma nova versão do socialismo da miséria. Por isso a crítica à ecologia constitui o alvo indispensável de uma renovação do pensamento e da prática políticas.
Recorrer à razão instrumental é simplesmente aceitar que uma actividade prática, prosseguida em condições definidas rigorosamente, tenha um valor demonstrativo no plano ideológico. Ou seja, é aceitar que as principais questões ideológicas se resolvem fora da ideologia e que o objectivo último da actividade ideológica é exterior à ideologia. Contra o irracionalismo filosófico, trata-se de recorrer à racionalidade de uma prática rigorosa. Na sua crítica ao Iluminismo, Adorno e Horkheimer consideraram negativamente qualquer prova pela experiência laboratorial e pelos resultados práticos porque, implicando um domínio sobre a natureza, a consideraram totalitária. Mas afirmar que o êxito prático é contrário à perspectiva crítica não leva longe. Ao conhecido postulado de um dos pontífices do pós-modernismo, de que não existe nada exterior ao texto, a razão instrumental caracteriza-se por, em última instância, invalidar ou confirmar o texto fora do texto.
A razão instrumental é a arquitecta das grandes transformações e tem uma das suas demonstrações práticas nos processos revolucionários.

A razão instrumental é um utensílio intelectual e passou a fazer parte das tecnologias intelectuais que lhe sucederam.
Do mesmo modo a escrita nasceu em sociedades hierarquizadas, cuja elite dispunha de uma acumulação de bens suficientemente volumosa para exigir registos duráveis. Foi para isso que surgiu a escrita, originariamente uma técnica destinada a consolidar a riqueza e o poder. A partir do momento em que foi criada, no entanto, a escrita pôde ampliar muito o escopo dos registos e converteu-se num instrumento lógico do pensamento, determinando o desenvolvimento de raciocínios sequenciais, com todas as consequências que daí advêm. Ninguém hoje dispensa a escrita, usada mesmo pelas pessoas contrárias à acumulação de poder e de fortunas e até por quem prefere os raciocínios cíclicos aos sequenciais.
O mesmo se passa com a razão instrumental. Tanto os pensadores e políticos de extrema-direita que primeiro concentraram nela o seu furor como os universitários que seguem as pegadas da Escola de Frankfurt e os filósofos pós-modernos tiveram e têm de recorrer à razão instrumental para assegurar a sua sobrevivência prática numa sociedade em que a actividade produtiva pressupõe a ciência e em que todo o sistema é regido pela crescente divisão do trabalho. O que sucede hoje aos críticos da razão instrumental é que as suas elaborações intelectuais são descoladas do meio prático em que se inserem, o que aliás explica o carácter especulativo e o estilo difuso dessas elaborações. Trata-se ainda de uma modalidade de falsa consciência.

O pós-modernismo não se limita a ser um projecto filosófico, ou talvez nem sequer o seja fundamentalmente, e a este respeito é necessário considerar o equivalente à low art.
A literatura de auto-ajuda é a única que muitas pessoas lêem, tanto mais que a própria religião passou a ser entendida como uma auto-ajuda. Aliás, no estilo e na diagramação os manuais de auto-ajuda obedecem ao modelo dos velhos catecismos, que eram a low art da teologia. E os manuais de formação para profissionais qualificados seguem igualmente o padrão da auto-ajuda. Com o mesmo efeito, as revistas de modas e as páginas dedicadas às celebridades oferecem exemplos de vida garantidos pelo sucesso. A fragmentação dos noticiários na televisão e nos jornais destinados ao consumo popular destrói qualquer possibilidade de uma narrativa integrada ou sequer provida de sequência temporal. A arquitectura interior dos centros comerciais, onde muitas pessoas gastam a maior parte dos lazeres, constitui uma encenação da fragmentação e da mutabilidade e parece conferir ao pós-modernismo uma garantia material. Tudo isto e muito mais é a low art do pós-modernismo, sem a qual ele não teria conseguido abarcar o círculo do horizonte.
A hegemonia alcançada pela indústria cultural de massas fez com que o universo estético dos revolucionários passasse a ser definido pela low art do pós-modernismo. Aquela arte que antes era ou desejava ser não só a arte da revolução como uma arte revolucionária foi esquecida. E como o carácter de qualquer expressão estética é definido pela sua forma, a submissão à indústria cultural de massas atinge o ponto extremo nas composições musicais em que o texto se pretende revolucionário enquanto a forma obedece aos padrões da banalidade comercial. Esta tensão resultante de um conteúdo impedido de se expressar por uma forma que lhe é contrária revela o pauperismo ideológico e cultural da esquerda. Hoje, neste campo, o principal inimigo é o lugar-comum.
Referências
A primeira frase citada de Salazar foi proferida no discurso em que deu posse a António Ferro como director do Secretariado da Propaganda Nacional, a 26 de Outubro de 1933, e a segunda frase foi proferida no discurso por ocasião da tomada de posse dos novos dirigentes da União Nacional, em 22 de Março de 1938, encontrando-se ambas em João Ameal (org.) Anais da Revolução Nacional, [s. l.]: Majesta, 1956, respectivamente no vol. III, pág. 263 e no vol. IV, pág. 222. Estas duas frases foram repetidas por Salazar, praticamente sem alterações, no discurso de 26 de Fevereiro de 1940, citado em João Ameal, op. cit., vol. V, págs. 71 e 72. As declarações de Hitler vêm citadas em Hermann Rauschning, Hitler m’a dit. Confidences du Führer sur son Plan de Conquête du Monde, Paris: Coopération, 1939, pág. 238. Recentemente, na sequência de uma obra de Wolfgang Hanel, vários historiadores puseram em dúvida os relatos de Rauschning. Penso que Hugh Trevor-Roper formulou bem o problema ao escrever, no prefácio a Hitler’s Table Talk, 1941-1944. His Private Conversations, Nova Iorque: Enigma, 2000, pág. x: «Rauschning pode ter ocasionalmente cedido a tentações jornalísticas, mas teve oportunidade de registar as conversas de Hitler e o teor geral desses registos antecipa com demasiada exactidão declarações posteriores de Hitler para que o possamos pôr de lado como uma falsificação». Com efeito, é muito possível que não encontremos transcrições literais no livro de Rauschning, o que se percebe pela própria forma como está construído, mas trata-se da expressão do pensamento de Hitler no estilo que lhe era habitual. A melhor validação daquela obra reside no facto de as suas revelações corresponderem exactamente aos acontecimentos posteriores à publicação e terem sido confirmadas pela documentação relativa às ideias expressas por Hitler e por outros dignitários nazis, tanto mais que muitas das declarações divulgadas por Rauschning não eram conhecidas na época. A citação de Perón encontra-se em Hugo del Campo, Sindicalismo y Peronismo. Los Comienzos de un Vínculo Perdurable, Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 1983, págs. 152-153. As frases citadas de Karl Jaspers estão no seu livro La Culpabilité Allemande, Paris: Les Amis des Éditions de Minuit, 1948, pág. 205.
Este Manifesto será publicado em quatro partes. A 1ª parte incide sobretudo na velha esquerda. Esta 2ª parte diz respeito à esquerda pós-moderna. A 3ª parte versa questões organizacionais. Finalmente, a 4ª parte trata do horizonte económico do anticapitalismo.

Nenhuma forma de organização dispensa uma luta interna permanente contra a burocratização.
III

Enquanto o leninismo ocupou um lugar destacado no movimento operário o fetiche era a organização partidária e tudo o mais lhe era sacrificado. A Terceira Internacional foi uma colossal máquina de soprar o quente e o frio nas lutas conforme fosse mais conveniente para a protecção e o crescimento das suas secções nacionais e depois da segunda guerra mundial os partidos comunistas continuaram a aplicar a mesma orientação. O fetichismo da organização partidária significava na prática a preservação da sua burocracia dirigente, num processo de conversão das vanguardas em elites e de rejuvenescimento das classes dominantes.

O risco hoje é que outras formas de organização sejam fetichizadas. A esterilidade do pós-modernismo no plano da teoria revolucionária é acompanhada pelo fetichismo no plano da organização prática.
a. Tendo-se desinteressado de transformar o mundo, a esquerda pós-moderna dedica-se à criação de microcosmos paralelos. A afirmação de que tudo o que é pessoal é político tem como corolário a redução do político ao pessoal. O modo de vida tornou-se, por si só, político, o que significa que em vez de mudar o mundo basta viver de certa maneira. Esta nova espécie de militância consiste em pertencer a comunidades onde todos se assemelham ou se esforçam por assemelhar-se nos hábitos e no comportamento. A inspiração destes microcosmos está muito perto da literatura de auto-ajuda. Eles são a low art da política. É como se cada um passasse o tempo numa sala de espelhos; pensam que são muitos porque só vêem a sua própria imagem repetida. Anestesiados pelo facto de se sentirem bem, a existência contraditória das relações sociais perde a realidade concreta, extinguindo-se assim a vontade de mudar o que lhes desagrada. Em vez de serem um meio de acção, estes microcosmos imunizam da acção.
As convicções dos participantes nesses microcosmos expressam-se mediante rituais, por exemplo, andar de bicicleta ou plantar hortas no meio da cidade. Ora, como sempre sucede, o ritual depressa se sobrepõe ao conteúdo ideológico originário, dando corpo a novas modalidades de fetichismo, com a correspondente alienação.
b. Outra forma de organização estimada pelo pós-modernismo e apresentada como panaceia é a ocupação de lugares públicos por multidões cujo único meio de inter-relacionamento são as redes sociais.
Porém, em primeiro lugar, este tipo de mobilizações é facilmente manipulável por pequenas minorias dissimuladas, já que os participantes não se encontram previamente unidos por relações estáveis de afinidade, quer de morada quer de trabalho. Uma minoria coerente é sempre capaz de manobrar uma maioria inorgânica.
Em segundo lugar, enquanto estas mobilizações se restringirem a lugares públicos, se mantiverem exteriores aos processos de trabalho e não servirem para desencadear movimentos no interior das empresas, elas deixam incólumes as relações de trabalho vigentes e podem até servir-lhes de legitimação.
Em terceiro lugar, as ocupações de espaços públicos convocadas pelas redes sociais ou se mostram impotentes para impedir a rápida reversão das suas conquistas (Primavera Árabe) ou se revelam incapazes de evitar o seu sequestro a partir de dentro por forças da direita (a revolta dos coxinhas na sequência das manifestações de Junho de 2013 no Brasil) ou servem igualmente de modelo de mobilização à direita e à extrema-direita (Tailândia, Ucrânia) ou são encenações irrelevantes que convertem a política numa estética inofensiva (occupy e acampadas).

Existem formas de organização que são, sempre e em todas as circunstâncias, nocivas para a acção anticapitalista. Mas não existem formas de organização que sejam, sempre e em todas as circunstâncias, benéficas. A este respeito, a garantia funciona só no sentido negativo.
Não existem formas de organização ideais, que as imunizem da recuperação interna por novas burocracias ou externa por forças da direita. Mas existem formas de organização que facilitam a luta contra essas tentativas de recuperação. Afinal, nenhuma forma de organização dispensa uma luta interna permanente contra a burocratização.

O que é ser anticapitalista numa época de expansão do capitalismo? Como é que uma táctica revolucionária a curto prazo pode deixar de ser recuperada e assimilada pelo capitalismo em expansão? Terão os anticapitalistas de se iludir necessariamente a si mesmos?
A grande questão é a de saber como formar organizações de luta que obtenham vitórias nas suas reivindicações sem com isto serem incorporadas nas instituições estatais e passarem a servir como mais uma fonte de legitimação do Estado capitalista. Estarão os revolucionários da nossa época condenados a operar como Sísifo, erguendo um rochedo só para o deixar cair? É urgente reflectir sobre a acção revolucionária, o que significa que é urgente reconstruir um pensamento revolucionário.

A priori, não me parece que seja possível, na sociedade complexa e diversificada em que vivemos, regressar à situação de um sistema teórico revolucionário único, ou pelo menos hegemónico, como sucedeu nas últimas décadas do século XIX e na primeira década e meia do século XX. Mas devemos criar um quadro teórico comum, que permita o diálogo e a polémica entre várias perspectivas de pensamento revolucionário. Não um sistema, mas um quadro.
Não há actividade científica e progresso científico sem direito ao erro. De início toda a novidade surge como um erro, e o debate e a polémica servem para distinguir o inadequado do exacto. Assim como nas ciências da natureza o debate não é apenas um confronto entre os cientistas, mas entre cada um deles e e a respectiva prática ou experimentação laboratorial, também na teoria revolucionária não se trata apenas da polémica entre as várias perspectivas, mas do confronto de cada uma delas com a acção prática, o que significa, com os factos da acção prática. Penso ser este o postulado básico de uma democracia revolucionária.


A classe trabalhadora prefere o capitalismo da abundância ao socialismo da miséria, e continuará a rejeitar o socialismo enquanto este só lhe oferecer exemplos de miséria.

IV

A maior parte do que agora se denomina esquerda alheou-se do combate ao capitalismo como modo de produção, ou seja, como sistema de relações sociais de trabalho. No entanto, seria este o único sentido do anticapitalismo. A esquerda que não pretenda transformar radicalmente as relações sociais de trabalho limita-se a ser uma das correntes políticas do capitalismo.
A maioria da esquerda actual só se preocupa com o trabalho quando ele não existe. Quero dizer que essa esquerda se inquieta justificadamente com o desemprego e o part-time; mas, injustificadamente, parece esquecer que o assalariamento é o motor da acumulação de capital. É a esquerda do conformismo e não da ruptura. O emprego não é a solução para o desemprego. Só a liquidação do capitalismo poderá solucionar tanto o desemprego como este emprego.


Para a maior parte do que agora se denomina esquerda o combate ao capitalismo foi substituído por uma crítica parcial, que põe apenas em causa o sistema financeiro, considerado improdutivo, no sentido de economicamente inútil e, portanto, gerador de lucros injustificados e necessariamente especulativos. Aliás, a noção de que haveria um «capital produtivo», com raízes nacionais, oposto a um «capital especulativo», de carácter internacional, surgiu originariamente nos meios da extrema-direita europeia nos primeiros anos do século XX e tornou-se um dos elementos constitutivos da ideologia fascista precisamente em virtude do carácter nacionalista que lhe está subjacente. A redução do anticapitalismo ao ataque ao sistema financeiro situa perigosamente a maioria da esquerda actual numa linhagem que atravessa o fascismo.
Este tipo de noções é improcedente porque o capitalismo, desde a sua génese, não funciona sem o crédito, que constitui um factor tão indispensável como qualquer outro para o crescimento da economia. O crédito contribui para articular espaços, fornecendo os capitais acumulados num lugar aos empreendimentos que só assim poderão nascer noutros lugares, e para articular tempos, adiantando capitais acumulados agora tendo em vista a ampliação da actividade económica no futuro ou antecipando lucros futuros para ampliar agora a actividade económica. E como o capitalismo, contrariamente a todos os modos de produção anteriores, é dinâmico e não estático, só através do crédito ele se desenvolve e o faz de maneira integrada. Aqueles ataques têm como alvo um sistema financeiro imaginário, não correspondente ao sistema financeiro real, que tem outras funções e obedece a outros mecanismos. São críticas que mais parecem dever-se a nostálgicos do mercantilismo.
A noção de que o capitalismo poderia funcionar, e funcionar melhor, sem o sistema financeiro é de tal modo incompatível com a análise histórica e com a teoria económica que os motivos para a sua divulgação devem ser procurados noutro plano. Com efeito, apesar de o capitalismo se ter internacionalizado e depois transnacionalizado, um grande número de empresas funciona em âmbitos nacionais, eventualmente como subcontratantes de companhias transnacionais. No sistema financeiro actual, porém, todos os empreendimentos são directamente supranacionais. Assim, a concentração das críticas no sector financeiro é uma das expressões ideológicas do nacionalismo. Ao apresentar como único inimigo as operações mais globalizadas do capital, a maior parte da esquerda está a promover a diluição dos interesses dos trabalhadores de cada país nos anseios dos pequenos e médios patrões desses países. E assim se legitima o fundamento do capitalismo, que consiste nas relações sociais de trabalho vigentes em todas as empresas, qualquer que seja a sua dimensão e sejam elas agrícolas, industriais ou de serviços, incluindo os serviços financeiros. Empresas operantes num quadro nacional podem sentir-se em contradição com o sistema financeiro operante no âmbito supranacional, mas para os trabalhadores, onde quer que laborem, qualquer contradição que não os oponha globalmente a todas as formas de capital só pode ser uma variante da falsa consciência, que neste caso é a inconsciência de uma conciliação entre classes.

A ocorrência de graves perturbações na regulação do sistema financeiro foi interpretada pela esquerda como uma crise do capitalismo, quando o que desde há mais tempo se vem a verificar é uma crise no interior do capitalismo, em que os antigos centros entraram em declínio enquanto surgiu um conjunto de novos centros. A reestruturação pós-fordista das relações de produção, geralmente denominada toyotismo, incluindo a flexibilidade suplementar garantida pela subcontratação de fases da cadeia produtiva e a flexibilização das relações de trabalho, marcou o início de um novo ciclo do processo de extorsão de mais-valia e uma etapa superior na acumulação do capital. Nada disto indica uma crise do capitalismo mas, pelo contrário, uma crise da capacidade de resistência dos trabalhadores.

Na clássica dicotomia socialismo ou barbárie, o socialismo não se confronta só com a barbárie do capitalismo. Confronta-se igualmente com a ameaça de barbárie proveniente daquela esquerda ecologista que, pretendendo ultrapassar o capitalismo ou fundar microcosmos paralelos, se propõe restaurar formas sociais e níveis de produtividade pré-capitalistas. Essa esquerda da barbárie acusa a classe trabalhadora de estar integrada no capitalismo, de aceitar a integração e já não desempenhar nenhum papel histórico revolucionário. O que se passa, no entanto, é que a classe trabalhadora prefere o capitalismo da abundância ao socialismo da miséria, e continuará a rejeitar o socialismo enquanto este só lhe oferecer exemplos de miséria. As lutas da classe trabalhadora, tal como têm existido até hoje, são o único obstáculo à fusão daquelas duas barbáries, a barbárie constituída pelo capitalismo e a barbárie promovida pela esquerda ecologista.
Enquanto lutarem, os trabalhadores exercerão pressões para trabalhar menos e ganhar mais, com o duplo efeito de, por um lado, estimular a produtividade dos meios técnicos existentes e a criação de novos meios técnicos mais produtivos e, por outro lado, aumentar a abundância e a diversidade do consumo. Será necessária a imposição de uma ditadura económica de mais-valia absoluta, sustentada política e ideologicamente pelos ecologistas, para pôr termo às lutas pela redução do tempo de trabalho e pelo aumento da remuneração. Mas neste caso o capitalismo tenderá a ser substituído por um novo modo de produção, afim daquele escravismo de Estado que os SS implantaram nos territórios eslavos ocupados durante a segunda guerra mundial e que os Khmers Vermelhos instauraram no Cambodja na segunda metade da década de 1970. Seria esta a barbárie de um modo de produção pós-capitalista.

É especialmente perverso o argumento de que, tendo o capitalismo atingido um alto grau de produtividade e conseguindo caminhar rumo à abundância, uma crítica radical implicaria a recusa de qualquer tecnologia que sustente a produtividade e a abundância.
Decerto a tecnologia é uma materialização de relações sociais, pelo que a liquidação do capitalismo implicará obrigatoriamente uma nova tecnologia. A classe trabalhadora é dotada de uma estrutura social e de formas de organização interna que podem ir desde as silenciosas até às explícitas, e estas formas, no seu desenvolvimento, imporão uma nova tecnologia. Não se trata aqui apenas de um futuro distante mas já do presente, porque as lutas práticas contra o capitalismo, além da sua expressão social, têm igualmente uma expressão técnica material. A sabotagem individual, uma das formas mais antigas e disseminadas de luta pela redução dos ritmos de trabalho, implica a tal ponto a criação de novas técnicas que a própria palavra vem do termo francês sabot, o tamanco de madeira que o operário, como que acidentalmente, deixava cair nas engrenagens, também de madeira, para as travar. Até a mera preguiça não se exerce sem técnicas que suspendam ou pelo menos atenuem a pressão dos meios de produção.
Estas são técnicas defensivas, destinadas somente a moderar os efeitos da tecnologia capitalista, mas quando a classe trabalhadora passa à ofensiva e enceta processos duradouros de autogestão — com a condição de se tratar realmente de autogestão — começam então a ser aplicadas pequenas mudanças técnicas relacionadas com o controlo da produção pelo colectivo dos produtores. Uma tecnologia é uma estrutura global que conjuga de maneira sistemática e organizada um grande número de técnicas particulares, e antes que se defina uma nova tecnologia aparecem alterações de detalhe que pouco a pouco vão modificando o carácter das técnicas vigentes.
Assim, quando menciono a necessidade de manter e ampliar a produtividade e a abundância, isto em nada pressupõe a conservação da tecnologia capitalista. O que afirmo é a necessidade de que as novas técnicas originadas pelo desenvolvimento das relações sociais de luta e a nova tecnologia em que futuramente se hão-de articular em conjunto sejam produtivas e gerem abundância mediante formas materiais e sociais distintas das usadas no capitalismo.

Se pretendermos lutar contra o capitalismo sem correr o risco de cair no socialismo da miséria, a grande questão é: como pode instaurar-se uma organização política igualitária e comunitária numa sociedade e numa economia muito complexas, baseadas na divisão do trabalho e que já não permitem a rotatividade em todas as funções? Este tipo de sociedade não dispensa o mercado nem o dinheiro e exige uma coordenação. Como frequentemente se confundem os conceitos com as palavras e se ignora a diversidade intrínseca dos conceitos sob a aparente uniformidade das palavras, é indispensável verificar o significado de cada um destes três termos.
a. Os mercados precederam de milénios o capitalismo e, além disso, não pressupõem necessariamente a existência de relações de exploração, como mostram os estudos históricos e antropológicos. Os mercados também não pressupõem necessariamente a existência de propriedade privada e serviram em vários casos para inter-relacionar colectividades proprietárias. Ao longo do tempo, os mercados têm-se revelado uma instituição plástica, adaptável e sempre em mutação, e é impossível definir num plano trans-histórico leis do mercado.
Mesmo referindo-nos ao capitalismo actual, só o hábito nos faz empregar uma mesma palavra para designar tipos de mercado diferentes e com leis de funcionamento distintas. No mercado de trabalho a livre concorrência funciona apenas entre os trabalhadores, com a condição de os sindicatos não desempenharem um papel relevante, já que a livre concorrência será tanto mais acentuada quanto mais fragmentada estiver a classe trabalhadora. Mas em sentido inverso a livre concorrência não funciona no mercado de trabalho, porque as empresas, enquanto compradoras de tempo de trabalho, encontram-se numa situação oligopsonista, que tenderá tanto mais para monopsonista quanto mais os capitalistas se coordenarem nos confrontos de classe. Na outra modalidade da relação entre as empresas e os trabalhadores, quando estes se apresentam enquanto compradores de bens e serviços, a regra é ainda a assimetria, existindo livre concorrência do lado dos consumidores, mas existindo oligopolismo ou monopolismo do lado dos vendedores. Nas relações entre grandes empresas a livre concorrência já não funciona e foi substituída por formas de acordo, que não precisam sequer de ser convencionados explicitamente. Por sua vez, nas relações entre as grandes empresas e as pequenas e médias firmas subcontratadas vigora de um lado uma relação oligopsonista ou integralmente monopsonista enquanto do outro vigora uma relação tanto mais concorrencial quanto mais fraccionadas estiverem as empresas subcontratadas. Estes vários tipos de mercado obedecem a regras distintas e executam funções diferentes no interior do mesmo modo de produção. Uma das potencialidades do capitalismo é a sua capacidade de articular mercados muito diversos. Nesta situação, usar neoliberalismo como conceito e mencionar o mercado em geral, como é corrente na esquerda, corresponde a participar num mito ideológico.
b. O dinheiro coexistiu com os mais variados modos de produção, incluindo algumas sociedades sem exploração.
Aquelas pessoas que não imaginam a possibilidade de superar o capitalismo sem abolir o dinheiro deveriam meditar sobre as tentativas de supressão do dinheiro levadas a cabo pelos anarquistas na Catalunha e em Aragão durante a guerra civil, que demonstraram, afinal, a plasticidade do dinheiro e o seu ressurgimento nas novas condições sociais. Num artigo publicado há mais de trinta anos mostrei que essas tentativas resultaram, por um lado, na manutenção do dinheiro enquanto unidade contabilística usada em sistema de clearing; por outro lado, na substituição do dinheiro emitido centralmente por senhas e vales de emissão municipal, os quais foram empregues para algumas das funções de dinheiro e constituíram uma forma de para-dinheiro. Aliás, o facto de as tentativas de abolição do dinheiro terem levado a um resultado oposto ao pretendido seria já previsível a partir do que sucedera na Rússia soviética durante o chamado comunismo de guerra. Outros casos extremos confirmam que nas sociedades modernas, sempre que a emissão central de dinheiro se torna insatisfatória, quer pela insuficiência do volume de dinheiro em circulação quer por uma acentuada e rápida perda de valor das unidades monetárias, surgem formas pecuniárias devidas à iniciativa dos particulares.
O dinheiro dá corpo a uma abstracção. Historicamente, nas sociedades em que o dinheiro teve relevância o pensamento abstracto ocupou um lugar importante na actividade intelectual. E numa sociedade evoluída como a de hoje, em que cabe a hegemonia ao raciocínio abstracto, o dinheiro permeia todas as relações. Mas de que modo o faz, esta é a questão, tal como é uma questão também a maneira como as abstracções se articulam e estruturam o pensamento. Assim como existiram e virão a existir diferentes sistemas de pensamento abstracto, também existiram e existirão diferentes formas de dinheiro. Pretender a abolição do dinheiro numa economia evoluída é uma utopia, porque isso implicaria a instauração de uma sociedade em que a abstracção não tivesse a primazia. O primitivismo económico seria acompanhado pelo primitivismo lógico.
Em qualquer das suas modalidades e em todos os sistemas económico-sociais em que vigorou, o dinheiro serviu e serve acima de tudo como transmissor de informação. A relação é muito estreita entre o dinheiro e a linguagem, e do estruturalismo linguístico podem extrair-se lições teóricas proveitosas para o estudo dos fenómenos pecuniários. Pretender que o dinheiro seria, por si só, um factor de reificação é como pretender que a linguagem seria obrigatoriamente um meio de dissimulação ou de distorção. A reificação não é gerada pelo mercado nem pelo dinheiro mas pelas relações sociais estabelecidas nos processos de produção de bens e serviços, materiais e imateriais. Sistemas de trabalho igualitários determinarão a fundação de novos tipos de mercado nas relações entre os colectivos produtores e a criação de novas formas de dinheiro nas relações intercolectivas e interpessoais.
c. Uma sociedade complexa, que requer a divisão do trabalho, exige igualmente instituições coordenadoras. No processo de derrube do capitalismo, a rotatividade não pode incluir a esmagadora maioria das funções nem pode presumir-se a ausência de especialização e de divisão do trabalho. A rotatividade deve conceber-se nas funções de direcção, com a condição de a direcção ser entendida como coordenação.
Essa coordenação não deve caber ao Estado, sob pena de se construir um novo capitalismo de Estado. O Estado não é um espaço neutro que possa puxar-se para um lado ou para o outro, mas uma estrutura que impõe leis e direcções próprias a todos os elementos que a compõem. Um socialismo que herde uma sociedade complexa e queira prossegui-la tem de destruir o Estado e de o substituir por um novo tipo de instituições coordenadoras. Ora, uma sociedade baseada num colectivismo de produtores e recorrendo ao mercado e ao dinheiro como instrumentos de inter-relacionamento pode evitar a centralização, que é um dos factores de existência do Estado, pois o mercado e o dinheiro permitem a conexão descentralizada.
Para isso o novo tipo de democracia revolucionária deve recorrer a uma coordenação sustentada pela informática e em geral pelos meios de comunicação electrónicos. Há uma notável afinidade entre a circulação do dinheiro e as redes electrónicas. Se o dinheiro serve de transmissor de informação e em boa medida deve ser concebido na perspectiva da linguagem, o mesmo sucede com as redes informáticas. Ora, se estas redes veiculam hoje uma recolha de informações que segue da periferia em direcção ao centro e de emanação de decisões que vai do centro para a periferia, elas têm condições técnicas para sustentar percursos inversos, em que instituições coordenadoras recebam as decisões emanadas da periferia, as articulem e as reenviem para a periferia, juntamente com novos fluxos de informação. A possibilidade de os meios de comunicação electrónicos se desenvolverem de uma maneira ou de outra depende das relações de força políticas prevalecentes.
Só assim poderá instaurar-se uma democraticidade que não coloque em risco a produtividade e sustente um socialismo da abundância.

Para que uma sociedade autogerida não leve à barbárie da falta de produtividade e do primitivismo tecnológico é necessário que a complexidade não sirva de pretexto à ignorância e que todos queiram aprender a gerir. Se o interesse e a competência generalizados e uma divisão do trabalho igualitária forem uma utopia irrealizável, então será impossível a autogestão da abundância e teremos de optar entre uma abundância gerida por outros ou a autogestão da miséria. Toda a questão do comunismo é esta.
Ora, o aparecimento do punk-rock constituiu uma colossal ruptura política, afirmando o direito dos que não têm voz a cantar, dos que não têm ouvido a compor, dos que não sabem tocar a tocar. A partir de então não se parou e a ignorância e a inaptidão deixaram de constituir obstáculo às pretensões. A democracia assumiu um novo sentido, não é mais a luta pelo direito a todos aprenderem o que quiserem saber e passou a ser a afirmação de que é desnecessário saber o que quer que seja. A internet é usada como infra-estrutura desta punk-incultura. Tudo o que assim se poderá obter é a autogestão da miséria. Na época da punk-democracia, é desta verdade profunda que deve partir qualquer programa de reforma da esquerda anticapitalista.
Para reconstruir uma esquerda anticapitalista ou, mais exactamente, para reconstruir o anticapitalismo no espaço que hoje se denomina esquerda, temos de partir quase do zero.

Referências

Este Manifesto foi publicado em quatro partes. A 1ª parte incide sobretudo na velha esquerda. A 2ª parte diz respeito à esquerda pós-moderna. A 3ª parte versa questões organizacionais. Finalmente, esta 4ª parte trata do horizonte económico do anticapitalismo.

Um comentário:

  1. Muito bom esse texto. Confesso que me deu um nó no cérebro, mas me fez pensar em muita questões. O comentário final sobre punk-rock me deixou intrigado, será que ele tem conhecimento de causa?

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